Escrito por: Walber Pinto e André Accarini

Regressividade tributária e concentração de renda: temas abrem Seminário do Dieese

Debate trouxe estudos que apontam aumento da desigualdade de renda, sistema tributário regressivo e evasão fiscal dos super-ricos. Carga pesa sobre trabalhadores e reforçando a urgência de reformas estruturais

Roberto Parizotti

O Dieese deu início, na manhã desta quinta-feira (11), ao Seminário Internacional “Disputar a renda, reduzir desigualdades”, que marca o início das comemorações dos 70 anos da instituição. Com presença de especialistas e acadêmicos no tema, a mesa de abertura e a primeira mesa temática, dedicada à tributação e à distribuição de renda, trouxeram as análises sobre regressividade do sistema tributário brasileiro, concentração de renda no topo da pirâmide social e desafios estruturais para ampliar justiça fiscal e garantir direitos.

70 anos

Na abertura, Adriana Marcolino, diretora técnica do Dieese, destacou os 70 anos do Dieese, lembrando que a entidade nasceu da própria disputa pela renda no Brasil. Ela contextualizou que, nos anos 1950, trabalhadores e trabalhadoras passaram a desconfiar dos índices de inflação que orientavam a reposição salarial e decidiram criar uma instituição capaz de produzir evidências científicas para qualificar a atuação sindical.

Segundo a economista, ao longo de sete décadas, o Dieese acompanhou disputas que envolveram remuneração, direitos e políticas públicas. “No Brasil, tanto do lado da distribuição de renda como da tributação, a gente tem questões a resolver, que hoje resultam numa forte concentração de renda”, afirmou.

Ela destacou o momento atual do debate sobre reforma tributária, no governo e na sociedade, e a urgência em avançar na justiça fiscal. A diretora explicou que a mesa foi pensada justamente para conectar análises globais e brasileiras sobre desigualdade e tributação.

Também na abertura, o deputado e ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP), ressaltou a importância histórica do Dieese e relacionou a trajetória da instituição ao debate de renda básica. Ele mencionou sua formulação sobre políticas de erradicação da pobreza e a centralidade das instituições públicas nesse processo.

 

Roberto Parizotti

 

Mesa 1 - Estudos mostram que regressividade e evasão dos super-ricos ampliam desigualdades

A primeira mesa do seminário analisou como a regressividade do sistema tributário brasileiro, somada às pressões globais sobre os Estados, aprofunda desigualdades e limita direitos sociais — um fenômeno observado em diversos países, mas mais intenso no Brasil.

O economista e, professor e diretor do Departamento de Economia da Universidade de Chile, Ramon López, também diretor da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), apresentou diagnósticos sobre evasão tributária e desigualdade na América Latina, destacando o Brasil como um caso crítico. Segundo ele, estudos apontam que a evasão no país supera 13% do PIB, mais que o dobro da estimada no Chile (7%). Em ambos os casos, explicou, “os sonegadores de impostos são principalmente os super-ricos, ou seja, o 0,1% mais rico da população”.

López ressaltou que a baixa participação da renda do trabalho no PIB e a alta concentração de renda ampliam desigualdades e tornam o sistema tributário incapaz de compensar distorções. Ele argumentou que impostos patrimoniais são instrumentos eficazes para enfrentar a evasão dos mais ricos, com menor complexidade de fiscalização que o monitoramento anual dos fluxos de renda.

Segundo ele, bens patrimoniais sofrem pouca variação ao longo do tempo, o que facilita a verificação. López citou que, no Chile, um imposto sobre fortunas acima de US$ 5 milhões afetaria apenas 0,07% da população ativa, cerca de 7 mil indivíduos. Ele observou experiências bem-sucedidas em países como Espanha e Uruguai e defendeu que declarações completas de bens são fundamentais para o funcionamento desses tributos.

Para López, um imposto patrimonial bem desenhado “pode mitigar as consequências da evasão tributária sobre a arrecadação e ter efeito positivo na redução da desigualdade”. O economista afirmou que esse tipo de imposto deve ser compreendido como mecanismo de justiça fiscal diante da evasão recorrente dos super-ricos.

Novas evidências mostram desigualdade maior e sistema tributário regressivo

O pesquisador Theo Ribas Palomo, do EUTax Observatory (Observatório Fiscal da União Europeia), apresentou resultados preliminares de um estudo desenvolvido em parceria com a Receita Federal e o Banco Mundial. O trabalho utiliza microdados administrativos de alta cobertura, como imposto de renda da pessoa física, jurídica e registros societários, para mensurar renda e carga tributária em todas as camadas da população.

Palomo destacou dois resultados centrais:

  1. A desigualdade brasileira é maior que a estimada nos estudos anteriores.
    O 1% mais rico controla 27,4% de toda a renda nacional — sete pontos percentuais acima das estimativas mais recentes. Isso coloca o Brasil entre os países mais desiguais do mundo, atrás de nações com forte concentração como EUA (19%), e muito acima de França (11%) e Holanda (14%).
  2. O sistema tributário brasileiro é regressivo.
    Enquanto o brasileiro médio paga 42,5% de sua renda em tributos, os milionários em dólar têm carga efetiva de apenas 20,6%. Entre os 0,001% mais ricos, a alíquota cai para cerca de 19,7%.

"Quando a gente olha pro 0.001% mais rico, essa alíquota efetiva cai para ao redor de 19.7 %, o que é muito inferior à alíquota paga pelas classes médias e pelos mais pobres no Brasil”, observou o pesquisador.

Ele também explicou que a regressividade decorre de três fatores principais:

Segundo Palomo, os dados mostram que dividendos e lucros retidos — que não eram tributados — compõem quase toda a renda do topo da pirâmide, especialmente do 0,001% mais rico, que chega a obter até 60% de sua renda de lucros não distribuídos.

O que a gente consegue ver nesse estudo é que enquanto o brasileiro médio tem uma alíquota de 42,5% de sua renda total, os milionários, em dólar, têm uma alíquota muito inferior, de apenas 20,6%- Theo Ribas Palomo


Adriana Marcolino encerrou a mesa destacando que o debate sobre justiça tributária é decisivo para enfrentar as distorções acumuladas ao longo de décadas. Ela lembrou que, no passado, o Brasil já teve tabela progressiva de imposto de renda com mais faixas e alíquotas mais altas, e que revisões estruturais são essenciais para fortalecer políticas públicas e reduzir desigualdades.

O primeiro dia

O seminário segue até esta sexta-feira. Ainda no primeiro dia de atividades, a programação inclui a Conferência: Retomar os sentidos do trabalho, ampliar a renda, com Thomas Coutrot, Ires (Instituto de Pesquisa Econômica e Social), França
 e Eliana Elias, diretora da Escola Dieese.

Também será realizado o debate “Renda como instrumento de superação de desigualdades de gênero, raça, território e promoção da segurança alimentar, com participação de:

"Seminário internacional: disputar a renda, reduzir desigualdades", está semdo realizado em São Paulo. O evento é parte das comemorações de 70 anos do DIEESE e conta com patrocínio da Itaipu Binacional e apoio do Sesc e da Fundação Banco do Brasil. As atividades têm transmissão pelo canal do DIEESE no YouTube.