Escrito por: Violência de Serra contra favelados para valorização de condomínio de luxo choca a população

Real Parque, São Paulo

 

Quatro pessoas feridas e uma gestante hospitalizada na "reintegração de posse" do terreno da Empresa Metropolitana de Águas e Energia, do governo do Estado

Na terça-feira (11), as imagens de mulheres e crianças em meio à fumaça de bombas de gás chocaram pela brutalidade.

Os moradores da favela Real Parque foram retirados à bala de borracha de seus barracos numa "ação de reintegração de posse" concedida à Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE), do governo do Estado, pelo juiz Edson Luiz de Queiroz, da 3ª Vara Civil de Santo Amaro.

O terreno fica numa das regiões mais valorizadas da capital paulista. A proximidade de condomínios de luxo, na Marginal Pinheiros, faz aumentar a pressão pela retirada das favelas da região do Brooklin e Morumbi, áreas nobres da zona sul da cidade.

Na "ação", mais de 70 PMs usaram bombas de efeito moral e sprays de gás pimenta para dispersar os moradores que, acordados às 6 horas da manhã com a polícia na porta de suas casas, ocuparam a via expressa da marginal Pinheiros. A maioria era de mulheres e crianças. Quatro pessoas ficaram feridas e uma gestante foi hospitalizada.

Para o capitão da PM Ezequiel Morato, usar o gás e as balas de borracha "foi melhor do que bater".

RECURSO

Na quarta-feira, a Defensoria Pública entrou com recurso e ação na Justiça para barrar as ações de desocupação. A defensora Carolina Pannain afirmou que há documentos que comprovam moradia de famílias no local desde 2002, o que pela lei brasileira configura usucapião e transfere a posse do terreno aos moradores.

A defensora ingressou com o recurso no Tribunal de Justiça (TJ) pedindo a suspensão da reintegração de posse do terreno da EMAE, onde ficava a favela Real Parque.

De acordo com Carolina, a área tem 17 mil e 300 metros quadrados e abriga centenas de outros barracos. Segundo a EMAE, o terreno dela tem 12 mil metros quadrados.

"Há pessoas que moram ali há mais de 5 anos. A desocupação desta terça foi só da parte da frente do terreno, que é visível da Marginal Pinheiros. A área dos fundos abriga muito mais gente", diz Carolina.

Um grupo de 25 famílias despejadas com a reintegração de posse da estatal paulista está sendo atendido pelos defensores.

"Eles estão relatando que não sabiam da reintegração de posse. Foram acordados por volta de 6h, receberam dois sacos de lixo e a ordem de tirar os pertences e desocupar o local em duas horas. Não tiveram sequer tempo de tirar seus pertences", afirma Carolina.

Em nota, a EMAE informou que a reintegração foi feita da "forma mais humana possível, respeitando as necessidades básicas e as dificuldades dos moradores".

A Subprefeitura do Butantã afirmou, ao término do despejo, que a maioria dos barracos estava vago. A reintegração foi determinada no dia 9 de novembro pelo juiz Edson Luiz de Queiroz, da 3ª Vara Civil de Santo Amaro.

JARDIM EDITH

Mas, os moradores da favela Real Parque não são os únicos ameaçados de ficar desabrigados em São Paulo. Numa área bem próxima, na Avenida Luiz Carlos Berrini, está a favela do Jardim Edith, que faz parte da Operação Urbana Água Espraiada.

A Operação Urbana Água Espraiada concedeu a "investidores" o direito de construir prédios de altura superior ao permitido na lei de zoneamento. Em troca, os recursos gerados pela venda destes certificados deveriam ser destinados a melhorias no bairro - como a construção de uma ponte e a criação de conjuntos habitacionais destinados a abrigar as pessoas retiradas da favela.

Mas, ao invés dos conjuntos habitacionais, a Secretaria Municipal de Habitação implementou a prática do "cheque despejo" que consiste no pagamento de R$ 5 mil a R$ 8 mil para retirada de famílias. O valor é insuficiente até mesmo para compra de barraco em outra favela.

Recentemente, o Shopping Cidade Jardim, que também fica na Marginal Pinheiros, ofereceu R$ 40 mil por família para a retirada de barracos de uma parte de seu terreno.

A Defensoria Pública entrou com ação civil pública para impedir a prática do ‘cheque despejo’ no local. O defensor Carlos Loureiro afirma que não pode ser usado na Favela Jardim Edith, pois o dinheiro para providenciar moradia digna aos ocupantes de barracos já estava previsto em lei.

"Se não forem feitas unidades habitacionais ocorrerá fraude. O cheque-despejo não é atendimento habitacional. E imoral", afirma Loureiro.

Na Favela do Jardim Edith moram cerca de 3 mil pessoas. São 800 famílias. De acordo com a Defensoria, metade delas residem há mais de 10 anos no local. Segundo a Lei da Operação Urbana Água Espraiada deveriam ser construídas moradias populares na região para realocar toda a comunidade.

Com isso o Poder Público, por lei, não pode conceder cheque-despejo. Tem o dever de construir moradias populares na região para atender todos os moradores do Jardim Edith com recursos dos CEPACs (Certificados de Potencial Adicional Construtivo)", explica. "A área é de permanente especulação imobiliária desde 2000, quando a Operação Urbana foi realizada. Há uma pressão política dos investidores para que as favelas sejam removidas", denunciou.

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