Escrito por: Redação CUT | texto: André Accarini
Cantora, ativista e feminista morreu aos 50 anos nos EUA durante tratamento contra câncer. Filha de Gilberto Gil, deixa legado de luta pela diversidade, direitos LGBTQIA+ e combate ao racismo e gordofobia
A CUT lamenta a morte de Preta Gil, que ocorreu neste domingo, 20 de julho. Uma das figuras mais carismáticas e combativas do meio artístico na atualidade, artista versátil e ativista incansável, Preta Gil morreu aos 50 anos em decorrência de um câncer colorretal diagnosticado em 2023.
A notícia foi confirmada por familiares e amigos e, em minutos, tomou as redes sociais e veículos de comunicação que se encheram de homenagens à cantora. Preta Gil, com seu eterno sorriso de criança desafiou padrões, rompeu silêncios e usou sua fama como trincheira de luta e afeto.
Filha de Gilberto Gil e de Sandra Gadelha, Preta Maria Gadelha Gil Moreira era afilhada de Gal Costa e mãe de Francisco Gil, 30 anos, também músico. Preta nasceu cercada de música e cultura, mas construiu um caminho próprio, porém sem jamais se esconder nas sombras de seu sobrenome. Com voz forte, presença marcante e uma forte consciência de justiça social, ela se tornou um referência de coragem para milhões de pessoas por sua luta e seus ideais de liberdade e inclusão.
Preta mulher, feminista e negra
“Eu sou uma mulher negra, feminista, livre e nada do que sou vai ser diminuído”, afirmava Preta. A intersecção entre feminismo e raça sempre esteve no centro de seu discurso. Entendia que o machismo se expressa de maneira brutal sobre mulheres negras, e lutava para que essas vozes tivessem lugar de fala, poder de decisão e visibilidade.
“Preta Gil era uma mulher vibrante, libertária que viveu intensamente”, disse a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino. Ao lamentar a morte da cantora, a quem ela se refere como ‘ícone’, a dirigente lembra que Preta sofreu diversos preconceitos e ataques por ser uma mulher negra, bissexual, e com um corpo fora dos padrão estéticos da sociedade, “mas enfrentou todos os desafios com muita garra, sem se dobrar as críticas. Uma mulher que não tinha medo de se mostrar, de opinar. Enfrentou a doença com muito dignidade, leveza e lutou bravamente pela vida até o fim”, afirmou Amanda.
“Para nós mulheres Preta e é seguirá sendo um exemplo de resistência força e alegria”, pontuou.
Ativismo pela democracia
Em 2022, durante as eleições, declarou voto no campo progressista e usou suas redes sociais para rebater fake news, convocar seus seguidores ao voto consciente e defender pautas como saúde pública, combate ao racismo, políticas de inclusão e valorização da cultura. Durante a pandemia de covid-19, fez duras críticas ao negacionismo e promoveu campanhas de vacinação e proteção às populações mais vulneráveis.
Arte, cultura e ativismo
A trajetória de Preta Gil exemplifica como a cultura pode funcionar como um veículo transformador na luta contra preconceitos estruturais como racismo, homofobia e gordofobia. Ao ocupar os palcos, programas de televisão, as redes sociais e outros espaços, ela se tornou um instrumento de mudança social, defendendo existências historicamente marginalizadas através de sua presença como mulher negra, bissexual e defensora dos direitos LGBTQIA+.
"Quando ela falava de gordofobia, de homofobia, quando defendia a democracia e os direitos sociais básicos de todo cidadão, também era por meio da cultura, era pela sua arte", destacou José Celestino Lourenço, o Tino, secretário de Cultura da CUT.
Por isso, diz o dirigente, artistas como Preta Gil são “tradutores culturais”, porque criam uma forma de comunicação que opera através do afeto e da identificação, não da imposição. Assim como outros artistas que já nos deixaram, a morte de Preta causou comoção nacional, o que comprova o afeto do povo brasileiro por ela.
"Preta Gil foi e sempre será uma pessoa iluminada, conectada com o universo e representando o que de melhor há na humanidade", afirmou Tino, destacando como essa forma de ativismo cultural oferece algo único: a capacidade de celebrar a diversidade humana por meio da arte e da criação, transformando pessoas.
O corpo, a pele e a luta
Preta sempre disse que sua existência era política. Numa indústria marcada pela exaltação de um padrão branco, magro e eurocentrado, ela ousou ser ela mesma. Mulher negra, de corpo fora dos padrões, enfrentou a gordofobia com peito aberto, denunciando a opressão estética e afirmando que beleza e potência não cabem em medidas. “Cansei de me odiar, agora quero me amar”, dizia em entrevistas, nas redes, nos palcos.
Não se tratava apenas de autoestima. Preta Gil se embasou em um discurso poderoso que ligava imagem, identidade e estrutura social. Sabia que falar do próprio corpo era tocar em sistemas inteiros de opressão. Ela usou seu lugar público para isso. Em seus shows, falas e entrevistas, sempre reafirmava a importância da autoaceitação, mas também da transformação coletiva, incentivando todos e todas a refletirem sobre os papéis sociais impostos.
“Preta Gil é mais uma estrela que se junta a constelação das imortais. Ela nos deixa um legado de força, garra, determinação e de esperança em um mundo tão carente de exemplos como o dela. Mulher preta, guerreira e que muito nos honra em sua passagem por nosso planeta”, disse Julia Reis Nogueira, secretária de Combate ao Racismo da CUT.
Uma aliada histórica da população LGBTQIA+
Desde os primeiros passos de sua carreira solo, Preta Gil escolheu estar ao lado da comunidade LGBTQIA+. Seu carnaval, o Bloco da Preta, tornou-se uma das maiores celebrações de diversidade do Brasil, espaço de liberdade e acolhimento. Era comum vê-la nos trios com bandeiras arco-íris, gritando por respeito, amor e cidadania para todas as identidades de gênero e orientações sexuais.
Ela não apenas abria espaço, mas criava palco. Preta contratava artistas LGBTQIA+, levantava temas espinhosos, posicionava-se politicamente contra a LGBTfobia e era presença certa em marchas, atos e campanhas. Recebeu diversas homenagens de organizações do movimento, e seu ativismo ultrapassava fronteiras da música para se consolidar como referência ética e afetiva para milhões.
“Nós perdemos mais uma militante da causa. Preta tem história no movimento LGBTQIA+ e vai fazer falta. Apesar de não ser LGBTQIA+, ela emprestava a voz e o sucesso dela para a gente ter força no movimento. Tratava a comunidade com respeito, com carinho e brigando pelos nossos direitos”, declarou Walmir Siqueira, secretário de Políticas LGBTQIA+ da CUT. “Ela é conhecida no Brasil inteiro como uma grande militante LGBT. É uma perda irreparável para o movimento. O movimento LGBTQIA+ está em luto no Brasil inteiro.”
Na parada LGBTQIA+ de Belo Horizonte, realizada na véspera de sua morte, Preta foi homenageada com canções e aplausos. “No final da parada nós fizemos uma homenagem para ela. Foi um momento emocionante. Preta era uma figura de luta, guerreira, sincera nas palavras. E nós, trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, também nos unimos no luto pela perda dessa pessoa marcante no nosso movimento”, completou Walmir.
A luta contra o câncer: coragem pública, dor compartilhada
Ao anunciar o diagnóstico de câncer em estágio avançado, Preta poderia ter se recolhido. Mas escolheu expor, com dignidade e franqueza, todo o processo. Cirurgias, quedas de cabelo, dúvidas, esperanças, todos os passos eram mostrados para encorajar a luta de milhares de pessoas contra a doença. Ela transformou a dor em aprendizado coletivo. Usou sua experiência para alertar sobre a importância de exames preventivos, acolher outros pacientes e humanizar um tema cercado de medo e silêncio.
Mesmo nos momentos mais delicados, ela não deixava de falar sobre política, saúde pública, racismo no sistema médico e a importância do SUS. Em vídeos emocionantes, dizia que a rede de apoio e o amor recebido foram cruciais para atravessar a dor e convidava seus fãs a valorizarem a vida, mesmo nos dias difíceis.
Arte, memória e permanência
A discografia de Preta Gil é extensa e plural. Mistura pop, axé, samba, MPB e traços de música eletrônica, com letras que falam de desejo, liberdade, alegria e resistência. Álbuns como Prêt-à-Porter (2003), Sou Como Sou (2012) e Todas as Cores (2015) dialogam diretamente com temas sociais e afetivos. Em 2023, mesmo em meio ao tratamento, lançou um single em parceria com Liniker e Majur — um hino à vida e à ancestralidade.
Preta também brilhou como atriz, apresentadora e produtora cultural. Seu carisma atravessava as telas, os microfones e as ruas. Em todos os espaços em que esteve, deixava uma marca de presença afetiva e acolhimento. Era dessas pessoas que abraçam com o olhar, mesmo de longe.
Um legado que ecoa
A partida de Preta Gil gera um vazio imenso, mas também revela o tamanho do impacto que ela teve. Personalidades e milhares de anônimos publicaram mensagens de luto, gratidão nas redes sociais.
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