Escrito por: Álcool: EUA investem dois bilhões de dólares para desnacionalizar a produção do Brasil

Por trás da visita de Bush

EUA sobretaxam o álcool brasileiro para impedirem a concorrência.

Monopólios americanos açambarcam usinas no país

Bastou apenas Bush falar em milho que as galinhas se assanharam. De repente aqueles elementos que há séculos dizem que esse negócio de usar álcool como combustível é uma besteira, descobriram que o etanol é – com perdão do lema estilo República Velha – não somente a salvação da lavoura, mas do país. Ao que parece, se depender desses neo-paladinos do álcool, até a Praça dos Três Poderes vai virar canavial para fornecer etanol aos americanos do norte...

SOBRETAXAS - Ora, leitor, o que mudou na vida desse pessoal? O que mudou é que Bush falou no álcool como alternativa para o petróleo, e falou isso porque, há algum tempo, monopólios privados dos EUA têm se mostrado interessados nessa fonte de energia, especialmente em açambarcar o álcool do Brasil - e porque está difícil roubar petróleo dos iraquianos, que acham que o petróleo do seu país é seu, para não falar do Mar Cáspio, onde a invasão do Afeganistão não serviu para deslanchar o planejado oleoduto, porque os russos acham que o petróleo do Cáspio é seu, e os afegãos acham que o Afeganistão é seu.

Portanto, Bush não vem aqui oferecer oportunidades para o Brasil se desenvolver. Parece até que se trata de algum filantropo, muito interessado no desenvolvimento dos outros países. Tanto não é assim que o álcool brasileiro continua sobretaxado nos EUA. Nesse sentido, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, precisou bem o significado da visita de Bush: "E uma agenda negativa para os EUA, um país que responde por mais de 20% das emissões de gases que provocam o efeito estufa e não se permite, sequer, fazer uma flexibilização, dando sinais para o mundo de que pode mudar de postura em relação à questão ambiental. Os EUA não assinaram o Protocolo de Kyoto e, agora, se voltando para um discurso pró-biocombustíveis, não faz uma aliança mais firme com o Brasil, eliminando as barreiras tarifárias que impõe para o nosso álcool. Portanto, para o Brasil, é um momento inclusive de denunciar qual é a política comercial norte-americana".

NUMEROS - Hoje os EUA são os maiores produtores de etanol e o Brasil é o segundo. Somados, produzem mais de 70% do álcool no mundo. Todos os outros produtores ficam muito abaixo. O problema dos EUA é que, lá, ele é produzido a partir do milho – cada hectare de milho rende 3.200 litros de álcool. No Brasil, cada hectare de cana rende 6.800 litros de álcool. Nos EUA, cada litro de álcool tem um custo médio de produção de 47 centavos de dólar. No Brasil esse custo é de 20 centavos de dólar.

Por causa disso, os EUA sobretaxam pesadamente as importações de álcool brasileiro, para impedi-lo de concorrer com o álcool norte-americano – cada galão de etanol brasileiro é sobretaxado em 54 centavos de dólar. E, certamente, só vão deixar de sobretaxá-lo no dia em que a nossa produção for também deles, ou seja, no dia em que se apropriarem das nossas usinas.

Não se trata de uma consideração teórica: na semana passada, os jornais noticiaram que Henri Phillippe Reichstul, aquele testa-de-ferro que, como presidente da Petrobrás no governo Fernando Henrique, esquartejou a nossa maior empresa – até o nome ele queria mudar para "Petrobrax" – está à frente (geralmente é onde ficam as fachadas) de um fundo de US$ 2 bilhões para "investir" em destilarias no Brasil. Um dos mandantes de Reichstul nesse fundo é o antro especulativo Kleiner, Perkins, Caufield & Byers, que, entre seus "associados", conta com um general aposentado de nome Colin Powell.

Hoje, apenas 2,5% da frota de carros norte-americana usa etanol. Com a introdução dos carros "flex" – que podem usar mais de um tipo de combustível – o governo americano projeta que essa percentagem subirá para 30% nos próximos 20 anos, com um consumo anual de 230 bilhões de litros de álcool. Nesse caso, seria totalmente impossível aos EUA abastecerem sua frota com base na produção local, mesmo se, a exemplo do que certos lacaios seus querem fazer no Brasil, resolvessem transformar os jardins da Casa Branca e o Central Park em milharal. A única solução para o problema seria aquela preconizada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez: que os EUA reduzissem o número de carros particulares e o desperdício de energia. Mas, numa economia dominada por monopólios e num Estado imperialista, isso não passa pela cabeça de nenhum magnata, nem de quem está no governo. A solução deles é a de sempre: tomar as riquezas do alheio, em especial as fontes de energia de outros países.

A?AMBARCADORES - E verdade que não são somente os monopólios dos EUA que estão tentando açambarcar o álcool no Brasil. Hoje, depois da recente aquisição de 5 usinas, o segundo maior produtor de álcool do país é o grupo francês Louis Dreyfus.

Porém, já há algum tempo que a Archer Daniels Midland (ADM), maior produtora de etanol dos EUA, está negociando a aquisição de usinas brasileiras. Aliás, já entrou no ramo do biodiesel – tem uma fábrica em Rondonópolis (MT) dedicada ao produto.

A Cargill, monopólio que dispensa apresentações, comprou a Cevasa, em São Paulo, e tentou comprar as usinas do grupo Corona – foi derrotada, nessa compra, pelo grupo nacional Cosan, o maior do país em produção de álcool.

No ano passado, a empresa Infinity Bio-Energy, pertencente ao fundo americano Kidd & Company, com participação da Merril Lynch, uma das maiores financeiras de Wall Street, começou suas atividades no país com um fundo de US$ 800 milhões. Hoje tem 3 usinas e está adquirindo outras três. Da mesma forma, a Clean Energy Bio-Energy está comprando a Usaciga, do Paraná, e a Globex, também americana, já comprou uma usina no Brasil.

O notório George Soros adquiriu a usina Monte Alegre, em Minas. A Pacific Ethanol, cujo sócio mais conhecido é Bill Gates, está tentando também comprar uma usina no Brasil.

Apesar disso, a maior parte da produção de álcool no Brasil – há 350 usinas no país e 100 em construção – é oriunda de empresas brasileiras. Mas é evidente que, como disse um executivo norte-americano, "a corrida do ouro começou".

CORONEIS - Fazer deste país um imenso canavial para produzir álcool para os monopólios dos EUA não é exatamente o país do futuro que alguns de nossos predecessores sonharam. Nem há porque abrirmos mão de uma fonte energética que fomos nós que desenvolvemos. E não estamos falando, ainda, do que representa, do ponto de vista político, centenas de usinas de propriedade estrangeira submetendo os plantadores de cana ao seu redor, os municípios ao seu redor, a terra ao seu redor, o eleitorado ao seu redor. Se o domínio dos coronéis e usineiros foi um desastre na República Velha, é possível imaginar o que seria isso hoje, em escala imensamente maior – e com coronéis que nem mesmo moram no Brasil.

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