Com perda de validade da MP das apostas online União perde R$ 17 bilhões em arrecadação. Economista do Dieese, Thomas Jensen detalha impactos, alternativas e embates políticos em episódio do Estúdio CUT
Apesar de a Medida Provisória nº 1.183, que previa aumento de impostos sobre apostas online (bets) e fintechs, ter perdido a validade — a Câmara dos Deputados deixou a medida “caducar” sem votá-la —, o governo federal mantém a taxação desses setores como forma de financiar políticas públicas e reforçar a justiça tributária.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já anunciou que o governo prepara novas propostas para reequilibrar as contas públicas. Segundo ele, dois projetos de lei devem ser encaminhados ao Congresso como alternativas ao impasse gerado em torno do IOF.
A taxação das bets e fintechs é o tema do mais recente episódio do Podcast Estúdio CUT e Dieese. O economista Thomas Jensen analisa o contexto da MP 1.183, os embates políticos e sociais que envolveram a proposta e os impactos de sua caducidade sobre políticas públicas e o orçamento.
Ao longo da entrevista, Jensen aponta caminhos e alternativas para compensar a estimativa de arrecadação de cerca de R$ 17 bilhões, valor que seria destinado a políticas fundamentais para a população brasileira. Ele também comenta o cenário político que envolve o lobby das casas de apostas online, responsável por barrar a medida.
Veja o episódio completo aqui:
No podcast, Thomas Jensen contextualiza a MP no cenário político, afirmando que ela é mais um capítulo do embate entre o governo federal e parte do Congresso Nacional em torno da justiça tributária. Ele relembra o quadro fiscal herdado pelo governo Lula e a necessidade de negociações com o Parlamento:
“Se a gente se lembrar, o governo Lula, logo depois que foi eleito presidente, precisou negociar com o Congresso uma emenda ao orçamento para garantir que de fato houvesse um orçamento em 2023, porque o último ano do governo Bolsonaro apresentou uma proposta completamente irreal. Então, para que o governo começasse, foi preciso negociar uma emenda para garantir, por exemplo, o Bolsa Família no valor de R$ 600 mais R$ 150 por criança, como a gente tem até hoje.”
O economista também recorda episódios recentes de conflito fiscal, como as alterações no IOF em maio de 2025.
“No final de maio houve o grande embrolho que levou o tema a ser questionado no Supremo Tribunal Federal. O ministro Alexandre de Moraes, que ficou com a causa, decidiu manter em parte o decreto do governo federal e estabeleceu que houvesse esse debate no Legislativo.”
No episódio, Jensen explica o impacto financeiro da perda de validade da MP. “O texto original da medida provisória, apresentado em julho, tinha uma expectativa de arrecadação adicional de cerca de R$ 10 bilhões em 2025 e de outros R$ 21 bilhões em 2026. Essa previsão foi revista nas negociações para R$ 17 bilhões. Um pano de fundo importante é toda a discussão fiscal no Brasil. Ao caducar, a medida deixa de prever essa arrecadação no orçamento do ano que vem’, disse.
Segundo o economista, essa perda compromete recursos essenciais para políticas públicas. “Se você abre mão de arrecadação, por um lado, para quem é trabalhador e ganha até R$ 5.000 – justamente quem não paga imposto de renda –, é preciso manter a arrecadação do Estado. Na prática, esse dinheiro é aplicado no sistema tributário da União, que inclui recursos para educação, saúde e políticas públicas em geral”.
Ao comentar alternativas de arrecadação fora do Congresso, Jensen aponta possibilidades já existentes. “Existem outras alternativas que nem passam pelo Congresso. Por exemplo, o Imposto Territorial Rural teria potencial de arrecadar algo em torno de R$ 17 bilhões por ano. Há também o gasto tributário, que são subsídios de diversas naturezas concedidos pela União e que hoje somam cerca de R$ 500 bilhões. Se cortássemos 15% desses gastos, isso já representaria 20 bilhões.”
Para o economista, é “evidente que o governo vai colocar alguma coisa em relação às emendas e em relação às bets”.
“Porque é daí que pode vir um montante maior. Tributar corretamente setores que têm grande capacidade contributiva, como bets e fintechs, permite que o Estado mantenha políticas públicas que beneficiam diretamente a população”, afirmou.
Jensen também comentou a busca pela justiça tributária no país, destacando medidas recentes de isenção para quem ganha até R$ 5.000 e a progressão da alíquota para quem ganha até R$ 7.300.
“Não resolve por completo a situação da justiça tributária, mas é um primeiro passo. Certamente, do ponto de vista da tributação da renda e da riqueza, a gente vai retomar o tema com uma nova composição do Congresso — esperemos que mais progressista — para fazer esses temas avançarem com menos dificuldade.”
Para o economista, a medida provisória sintetiza o conflito permanente entre Executivo e Legislativo:
“Uma disputa entre um governo que está buscando de fato justiça tributária, a redução dessa enorme desigualdade que a gente tem no Brasil, e um Congresso que quer manter basicamente os seus grandes privilégios, notadamente o papel das emendas parlamentares.”
O episódio completo com Thomas Jensen está disponível no Podcast Estúdio CUT, que detalha a MP 1.183, os impactos de sua caducidade, alternativas fiscais e o papel da tributação de bets e fintechs na manutenção das políticas públicas e na promoção da justiça tributária.