Famílias gastam muito mais com saúde do que os governos federal, estaduais e municipais. Pesquisa divulgada ontem pelo IBGE revela que, nas despesas com consumo de bens e serviços nessa área, a maior parte do bolo (60,2%) coube ao cidadão, que desembolsou R$ 103,2 bilhões, em 2005, com a rede privada ligada à saúde. A administração pública respondeu por bem menos, 38,8%, com R$ 66,6 bilhões dos gastos. Para ter acesso a atendimento de qualidade, as famílias vêm comprometendo uma fatia cada vez maior da renda, em especial com planos de assistência, consultas, exames e ainda remédios. Em 2005, os gastos da população chegaram a 6,9% da renda familiar — mais que os 6,5% em 2000. Em países desenvolvidos, com exceção dos Estados Unidos, a situação é bem diferente da brasileira, segundo Angélica Borges dos Santos, pesquisadora da Fiocruz: o governo é responsável pela maior parte das despesas (de 70% a 80%). “Sem ter a cobertura do governo, os gastos podem ser imensos para as famílias. O acesso universal à saúde é importantíssimo”, lembra Angélica, que participou do levantamento no IBGE. A pesquisadora, no entanto, avalia que, pelo padrão do País, quanto mais renda o brasileiro tiver mais gastará com saúde. O professor do Instituto de Medicina Social da Uerj George Kornis não concorda. Ele defende que o gasto com saúde privada está relacionado à precariedade de rede pública. Pela primeira vez, o IBGE traçou um raio X do setor, na pesquisa Economia da Saúde, a pedido do Ministério da Saúde. Gastos no País com essas atividades, em 2005, chegaram a R$ 171,6 bilhões, ou 8% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas do país). O estudo mostrou ainda que as instituições sem fins lucrativos, como asilos e creches, gastaram pouco mais que R$ 1,7 bilhão naquele ano. Entre 2000 e 2005, a principal despesa de consumo da a população foi com a categoria ‘Outros Serviços Relacionados à Saúde’, como consultas, exames e planos (1,8% do PIB). Gastos com medicamentos vêm em seguida (1,6% do PIB). Ao detalhar dados de 2005, o levantamento indica que o desembolso com medicamento foi o maior (1,7%), se considerada a análise individual. Mas a saúde privada pula para primeiro lugar no ranking (2,5%), se reunidas despesas com o segmento (serviços de atendimento hospitalar e outros). A aposentada Marlene Batista, 65 anos, é uma das brasileiras que têm gasto alto com plano de saúde e medicamentos, em torno de R$ 400 por mês. “Os remédios estão muito caros. É preciso investir mais na saúde”, diz. Genérico aumenta consumoNa comparação entre 2004 e 2005, a pesquisa revelou que houve um aumento no consumo de medicamentos. O gasto pulou de R$ 31 bilhões para R$ 36,4 bilhões. Para Angélica Borges, o crescimento tem a ver com os genéricos que permitiram maior acesso aos remédios, com preços menores no mercado. A indústria farmacêutica, depois de retração, apresentou recuperação a partir de 2004. O estudo revelou também aumento de postos de trabalho, representando 4,3% do total de empregos no País. Em 2005, o setor respondeu por 3,9 milhões de postos de trabalho, dos quais 2,6 milhões com vínculo formal. A pesquisa, aliás, mostrou que o setor tem mais emprego formal (acima de 60%) do que o total da economia do País (40%). As atividades de atendimento hospitalar são as que mais têm carteira assinada (quase 100%). A área que tem menos vínculo é a de fabricação de aparelhos para uso médico. Se considerada a participação no total da economia, as atividades ligadas à saúde geraram R$ 97,3 bilhões, ou 5,3%. A saúde pública é a responsável por 33,4% do total. ‘PESSOAS PAGAM O MEDO”“No Brasil, paga-se muito por saúde. No entanto, há um sentimento forte na população de que essa conta não é compatível. Os sistemas de saúde público e privado precisam ser melhor regulados, ter controle social, auditoria técnica e financeira contínua para que se evite desperdícios. As pessoas têm planos de saúde porque têm medo e desconfiança da qualidade do serviço público. E o medo é legítimo. Não é fantasia ou frescura. Temos quase 40 milhões de brasileiros pagando planos de saúde. Isso é uma França. Temos uma França que consegue pagar o seu medo e outras quatro que vivem seu medo. E, às vezes, seu desespero.”