Escrito por: Redação CUT | texto: André Accarini
Movimento "Tem Um Elefante Na Sala" expõe sistema tributário que isenta bilionários de impostos sobre lucros enquanto sobrecarrega trabalhadores e famílias de baixa renda no país
Expor e combater um dos principais causadores da desigualdade no Brasil: o sistema tributário que favorece os super-ricos enquanto sobrecarrega trabalhadores e famílias de baixa renda. Esse é o objetivo da campanha "Tem Um Elefante Na Sala", lançada pelas organizações Oxfam Brasil, Inesc, Dieese, Plataforma Justa, Instituto Peregum, Plebiscito Popular e Instituto Justiça Fiscal, com apoio da CUT. O movimento denuncia que o país funciona como um "paraíso fiscal tropical" para bilionários, que vivem de lucros e dividendos totalmente isentos de tributação.
A campanha cujo obetivo é a divulgação de uma cartilha que explica, de forma didática, quem paga muito imposto no Brasil e quem não paga (mas deveria), começou na primeira semana de agosto e continua ao longo dos próximo dias com postagens em redes sociais, podcasts, ações de rua, projeções de imagens em locais públicos e outras atividades.
A cartilha “Tem Um Elefante Na Sala – um guia com tudo o que você precisa saber sobre justiça tributária” está disponível nas redes sociais das organizações e vem sendo distribuída no formato físico por meio das ações da campanha “Justiça Tributária Já!”
Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Oxfam Brasil (@oxfambrasil)
A campanha vai além do debate técnico. Com a imagem de um elefante o movimento busca levar o tema às ruas e desmistificar o sistema tributário para a população.
O "elefante na sala" simboliza um problema evidente, mas historicamente evitado por ser desconfortável. Para as organizações chegou a hora de enfrentar essa realidade: um sistema que perpetua privilégios históricos e impede a construção de um país mais justo.
A campanha defende que justiça tributária deve ser política de Estado, independente de governos ou partidos. "Mudar o sistema, poupar os mais pobres e tributar os super-ricos é financiar o Brasil que precisamos", conclui o material da coalizão, "com infraestrutura, educação, saúde, equidade de gênero, meio ambiente protegido, moradia digna e reparação para populações negras."
Desigualdade estrutural
Os dados apresentados pela campanha revelam a dimensão do problema: 63% da riqueza nacional está concentrada em apenas 1% da população. O Brasil abriga 55 bilionários, sendo o país com mais milionários da América Latina, mas também o mais desigual entre as principais economias mundiais.
A distorção é evidente na comparação entre tributação do trabalho e do capital. Enquanto trabalhadores CLT pagam até 27,5% de Imposto de Renda sobre salários a partir de R$ 4.500 mensais, quem vive de lucros empresariais e dividendos não paga qualquer tributo sobre esses rendimentos. O resultado: o trabalho é tributado em 35,8%, enquanto o capital paga apenas 17,7%.
"O 1% mais rico do país tem renda média de R$ 27 mil mensais e paga proporcionalmente menos impostos que os 50% mais pobres", destaca Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil. "É a injustiça do sistema atual, que sobrecarrega os mais pobres e beneficia os super-ricos."
Impacto desproporcional
A campanha denuncia que o sistema é estruturalmente racista e machista. As mulheres negras, que representam 28% da população, concentram apenas 14,3% da renda nacional, mas sustentam o Estado através da tributação sobre consumo - que representa 43% da arrecadação total.
São essas mesmas mulheres, majoritariamente negras, trabalhadoras e mães, que mais sofrem com os cortes em políticas públicas de saúde, educação e assistência social, criando um ciclo perverso de desigualdade.
A tributação regressiva concentrada no consumo penaliza quem gasta maior proporção da renda em produtos básicos. Desde o feijão até fraldas, tudo é tributado, impactando desproporcionalmente as famílias mais vulneráveis.
Agenda de mudanças
As entidades que organizam a campanha apresentam propostas concretas para reverter esse cenário: tributação de lucros e dividendos, correção da tabela do Imposto de Renda, criação de contribuição sobre grandes fortunas a partir de R$ 1 milhão anuais, tributação de exportações de commodities e criação de uma CIDE ambiental.
"É preciso combater a percepção negativa associada aos impostos", afirma José Antônio Moroni, um dos gestores do Inesc - Instituto de Estudos Socioeconômicos. "Essa percepção beneficia justamente os super-ricos, que praticamente não contribuem, enquanto trabalhadores pagam por esses privilégios tributários."
Isenção para quem ganha até R$ 5 mil – uma luta da classe trabalhadora
Paralelamente à campanha Tributação Justa, a sociedade está mobilizada, cobrando do Congresso Nacional a aprovação de uma medida que beneficia grande parte da população de mais baixa renda, a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Quase todos os trabalhadores e trabalhadoras assalariados no Brasil pagam impostos, e quem atua sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já vê o imposto de renda descontado diretamente no holerite, antes mesmo de receber o salário. Atualmente, a partir de R$ 4.664 por mês o trabalhador já é tributado pela maior alíquota de 27,5%, sem possibilidade de escapatória.
Essa realidade evidencia a desigualdade do sistema tributário, que sobrecarrega quem trabalha e preserva grandes fortunas e empresas por meio de brechas legais e incentivos fiscais.
Por isso, a CUT e movimentos sociais defendem a aprovação do PL 1087/25 que prevê a isenção do imposto de renda para quem recebe até 5 mil reais mensais de salário, reduzindo também a carga tributária para quem ganha até 7 mil reais. Em contrapartida, pessoas com renda acima de 50 mil reais por mês, os chamados super-ricos - milionários, bilionários, como bancos, bets e grandes empresas -, passarão a contribuir proporcionalmente mais, corrigindo uma distorção que hoje penaliza os trabalhadores e beneficia uma minoria privilegiada.
“O que muda para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês? Quase nada. O percentual de taxação é tão baixo que não altera a qualidade de vida dessas pessoas”, explica Moroni, destacando que a lógica atual mantém o poder concentrado e agrava as desigualdades.
A medida beneficiaria mais de 10 milhões de trabalhadores. Moroni compara o impacto a um 14º salário. “O trabalhador que deixará de recolher o imposto todo mês terá mais recursos para suas necessidades básicas, organizar a vida financeira, pagar dívidas ou investir na educação e alimentação da família. É uma mudança significativa para quem ganha menos, ainda que pequena para o sistema como um todo”.
Para compensar a perda de arrecadação, estima-se que apenas 141 mil pessoas com rendimentos acima de R$ 50 mil mensais precisariam contribuir com uma alíquota de até 10%. “O raciocínio é claro: quem ganha pouco recebe um alívio real, enquanto quem ganha muito praticamente não sente o impacto. É uma forma de colocar o pé na porta, iniciar o debate e avançar na construção de um sistema tributário mais progressivo, que enfrente as desigualdades, taxe a riqueza e financie políticas públicas universais em saúde, educação, moradia e cultura”, acrescenta Moroni.
O especialista alerta ainda que “é preciso ficar de olho para que não seja aprovada no Congresso apenas a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, mas também a taxação dos super-ricos”. Sem essa contrapartida, a medida poderia gerar perda de receita para políticas públicas essenciais e perpetuar a desigualdade, já que os grandes patrimônios e rendas de capital continuariam quase intocados.