Escrito por: Rosely Rocha e André Accarini

No Supremo, CUT aponta os prejuízos trilionários que pejotização trará ao país

Em audiência pública no STF, CUT apresenta dado de estudo da Unicamp de queda de até 30% do PIB com pejotização. Ministério do Trabalho, da Previdência e AGU criticam as perdas financeiras ao país

STF / Divulgação

Um estudo recente do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT), da Unicamp, projetou impacto negativo da pejotização irrestrita sobre o crescimento econômico, de redução em até 0,5 ponto percentual a taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) a longo prazo. O PIB real ficaria até 30% mais baixo no cenário de pejotização irrestrita. O Produto Interno Bruto do Brasil no ano passado totalizou R$ 11,7 trilhões. Leia aqui a íntegra do estudo da Unicamp.

Dados apresentados pelo Ministério do Trabalho mostram que, de 5,5 milhões de desligamentos no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) 4,4 milhões se transformaram em Micro Empreendedores Individuais (MEIs) — e muitos desses trabalhadores continuaram prestando serviço para os mesmos empregadores, nas mesmas atividades.

Outro estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2019, demonstrou que “os países com maior proteção sindical e legal são os que têm maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e maior produtividade.

Esses e outros dados econômicos sobre os impactos da pejotização irrestrita foram apresentados pelo advogado trabalhista José Eymard Loguercio, do escritório LBS Advogadas e Advogados, que representou a CUT, na audiência pública chamada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, encerrada nesta segunda-feira (6).  O debate integra o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, em tramitação na Corte. Gilmar Mendes suspendeu as ações que tramitavam na Justiça sobre o reconhecimento de vínculo empregatício em contratos de pejotização. Mas a ainda não foi definida uma data para a decisão final do ministro.

Governo e entidades apontam os prejuízos com pejotização irrestrita

Na audiência, o ministro Jorge Messias da Advocacia-Geral da União disse que a ‘pejotização’ não impacta apenas o trabalhador contratado, mas todo o sistema de seguridade social. Messias informou que, entre 2022 e 2024, o fenômeno provocou um déficit estimado de R$ 60 bilhões na Previdência Social, além de perdas de R$ 24 bilhões ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

O ministro definiu a pejotização como uma “cupinização” dos direitos trabalhistas, que “corrói por dentro, silenciosamente, as estruturas que sustentam a proteção social”. Para ele, o país deve construir um modelo que “respeite a liberdade econômica, mas que também preserve o trabalho digno, a proteção previdenciária e a solidariedade entre as gerações”.

Adroaldo da Cunha Portal, secretário-executivo do Ministério da Previdência Social afirmou que a pejotização terá severas consequências para a Previdência Social. Por um lado, ela atribui exclusivamente ao trabalhador a responsabilidade pela filiação e pela contribuição, enquanto transfere para o Estado o custeio das despesas com proteção social. Segundo ele, o orçamento da Previdência Social é de R$ 1 trilhão, e um terço disso é bancado pelo Estado – o chamado déficit da Previdência. 

Afrânio Rodrigues Bezerra Filho, da Subsecretaria de Fiscalização da Receita Federal, afirmou que a pejotização pode resultar em concorrência desleal e representar um prejuízo bilionário anual à arrecadação tributária. Segundo ele, um estudo recente da Receita Federal avaliou o impacto da escolha entre a contratação formal via CLT e a contratação por meio do regime de microempreendedor individual. A estimativa aponta que, em 2025, a diferença na arrecadação pode alcançar R$ 26 bilhões. Afrânio destacou ainda que, embora legítimo e necessário, o estímulo ao empreendedorismo não pode se sobrepor ao cumprimento da legalidade tributária.

Fraudes trabalhistas

José Eymard Loguercio destacou também em sua fala que a pejotização não é um debate teórico ou ideológico, mas uma prática concreta de fraude à relação de trabalho. Segundo ele, o modelo do MEI, criado há 15 anos para formalizar trabalhadores, vem sendo utilizado de forma indevida por empresas que buscam reduzir custos e responsabilidades trabalhistas.

O advogado citou casos recentes de pejotização em setores simples, como a contratação de garis como pessoas jurídicas, e ressaltou que o fenômeno não se restringe a profissionais liberais.

“Temos uma sociedade de massas, e essa prática atinge trabalhadores de todos os níveis”, observou.

Ele enfatizou que a ciência do Direito do Trabalho, consolidada há quase um século, parte do reconhecimento de que o trabalho é realizado por pessoa humana — e não por uma entidade abstrata.

“O grave risco dessa tese é tratar pessoas humanas como pessoas jurídicas, retirando-as da esfera de proteção do trabalho”, alertou.

Loguercio lembrou que organismos internacionais compartilham essa preocupação. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) possui recomendações explícitas sobre o tema — as de número 198, 189 e 204.

De acordo com a recomendação 198 da OIT, “as políticas nacionais devem incluir medidas para combater relações de trabalho disfarçadas, inclusive o uso de acordos contratuais que escondam o verdadeiro status legal”. Já a recomendação 189 estabelece a necessidade de assegurar aplicação não discriminatória da legislação laboral, de modo a ampliar a qualidade do emprego nas pequenas e médias empresas.

Loguercio ressaltou ainda que a União Europeia reconhece o “abuso do estatuto de trabalhador independente” como uma forma de “trabalho falsamente declarado”, quando uma pessoa é classificada como autônoma mesmo preenchendo todas as condições típicas de uma relação de emprego.

Em suas diretrizes, a UE também aprovou diretivas que afirmam: “trabalho humano não é contrato comercial nem civil, ainda que assim se estabeleça por legislação específica.”

Encerrando sua fala, ele destacou que o risco central da pejotização é duplo: o desmonte histórico da proteção ao trabalho e o enfraquecimento da representação sindical.

“O que está aqui em risco, de fato, como já dito, não é apenas a destruição de um longo percurso de construção histórica dos direitos do trabalho, mas também da qualidade da proteção sindical.”

Luiz Marinho, Ministro do Trabalho, ressaltou que o regime do Microempreendedor Individual (MEI), criado para facilitar a formalização do microempreendedor brasileiro, tem sido desvirtuado para “mascarar contratos de trabalho” com características típicas de vínculo empregatício, como subordinação e jornada fixa. “Nossa responsabilidade é decidir se queremos avançar para a modernidade ou oficializar a fraude como normalidade”.

Sobre a audiência pública

A sessão, contou com 48 participantes — representantes de entidades, especialistas, magistrados e juristas — que apresentaram diferentes visões sobre o tema.

Ao encerrar os trabalhos, Gilmar Mendes agradeceu aos expositores pelo engajamento e pela qualidade das contribuições apresentadas. “Saímos deste encontro devidamente informados, mais sensíveis aos desafios apresentados e ainda mais comprometidos com a busca por soluções justas, inovadoras e viáveis”, afirmou o ministro.

Entenda o debate

Em 14 de abril deste ano, o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, decidiu suspender todas as ações sobre pejotização até que a Corte, formada por 11 ministros, deem seu parecer final.

A decisão de Gilmar Mendes foi tomada depois que a Corte reconheceu a repercussão geral do assunto, ou seja, a necessidade de se tomar uma decisão que sirva de modelo para todos os casos semelhantes, unificando o entendimento da Justiça brasileira sobre o tema.

Essa uniformização se tornou necessária porque o TST já havia se posicionado contra a pejotização, o que impulsionou a justiça trabalhista a reconhecer o vínculo de prestadores pejotizados.

Em 2018, o STF julgou esse entendimento inconstitucional e decidiu liberar empresas privadas ou públicas a fazer a chamada terceirização, isto é, contratar outras empresas para realizar qualquer atividade, em vez de contratar pessoas físicas por meio de contrato assinado na carteira de trabalho. A partir daí, a decisão do STF passou a ser usada para derrubar milhares de vínculos empregatícios reconhecidos pela justiça trabalhista.

Para o ministro Gilmar da Mendes, a Justiça do Trabalho tem ignorado decisões da Corte sobre terceirização, o que tem gerado insegurança jurídica e lotado o tribunal com recursos repetidos.

Agora, o STF decidirá se a Justiça do Trabalho é a única que pode julgar casos de fraude no contrato de prestação de serviços, se é legal contratar pessoa jurídica em vez de assinar carteira de trabalho e quem deve provar se houve fraude: o patrão ou o trabalhador.

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Com informações do STF e da Agência Gov