Escrito por: André Accarini
Manifestações contra reforma previdenciária e acordos do governo do país com os EUA levaram a prisões de líderes sindicais. Movimento sindical latino-americano se pronunciam contra o autoritarismo
No Panamá uma onda de protestos contra as políticas do presidente de extrema direita, José Raúl Mulino, tem resultado em repressões violenta por parte do governo ao movimento sindical. Uma greve geral por tempo indeterminado teve início no dia 23 de abril, liderada pelo setor da educação, em protesto contra a reforma previdenciária proposta pelo governo. Os protestos também têm como motivação acordos feitos com os Estados Unidos para o envio de tropas americanas para defender o Canal do Panamá.
A mobilização se espalhou rapidamente por todo o país, incorporando não apenas novos setores, mas também outras pautas diversas. Atualmente, participam do movimento o poderoso sindicato dos trabalhadores da construção civil (SUNTRACS), trabalhadores rurais — especialmente ligados à indústria bananeira —, povos indígenas, estudantes e várias organizações da sociedade civil.
As manifestações ganharam maior intensidade na sexta-feira (23), com a adesão de outros setores como trabalhadores rurais, povos indígenas, estudas e outras organizações da sociedade civil, com atos que exigiram de libertação de dois dirigentes do Suntracs (Sindicato Único Nacional dos Trabalhadores da Construção) e com a incorporação de outras pautas.
Repressão no Panamá mobiliza solidariedade sindical no Cone Sul
Quintino Severo, secretário adjunto de Relações Internacionais da CUT e Secretário-Geral da Coordenadora das Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS) explica que os protestos no Panamá, inicialmente contra a reforma da Previdência e acordos militares com os Estados Unidos, têm se intensificado.
“Na verdade, [há] um processo de profunda repressão contra o movimento sindical, contra os movimentos sociais, na medida em que há uma resistência muito grande por parte do sindicalismo e também por parte do movimento social em relação a essa postura que o Panamá tem adotado nessa tentativa de fazer reformas que retiram direitos e conceder a possibilidade dos americanos implantarem cada vez mais bases militares, inclusive no canal do Panamá.”
A presença militar norte-americana na região, segundo ele, representa uma ameaça à soberania panamenha. “Todo mundo sabe que o canal do Panamá sempre foi um espaço de disputa, mas que tem uma certa concordância histórica de que, de fato, é o Panamá que administra o canal, portanto, não é uma zona plurinacional. Os Estados Unidos têm insistido muito na tentativa de tomar conta do canal do Panamá e, evidentemente, que isso significa uma intervenção cada vez maior americana no Panamá.”
Nota de solidariedade
Diante desse cenário, a Coordenadora das Centrais Sindicais do Cone Sul manifestou apoio firme ao movimento sindical panamenho. Quintino ressalta que a solidariedade, o apoio aos trabalhadores e ao sindicalismo é reforçada em função da gravidade da situação.
“Está acontecendo uma verdadeira repressão, porque há prisão de dirigentes, há dirigentes que estão pedindo asilo fora do Panamá por estarem sendo perseguidos e atacados pelo governo, é um momento muito difícil e que nós não podemos permitir que mais uma ação de um governo de extrema-direita coloque em risco a democracia, coloque em risco também a liberdade sindical e, acima de tudo, o direito dos trabalhadores”, diz o dirigente.
O líder do Suntracs, Saúl Méndez, pediu asilo político na Embaixada da Bolívia após ordem de prisão. Além disso, contas sindicais foram congeladas pelo governo.
Além das manifestações públicas, a coordenadora já enviou notas formais aos governos do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, reforçando a posição de que o Panamá não deve integrar o Mercosul enquanto violar direitos fundamentais.
“O Panamá recentemente pediu para ser convidado para o Mercosul. E nós já vimos que país que não cumpre minimamente com o que está escrito na Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, não pode integrar, não pode participar do Mercosul. E o que o Panamá está fazendo hoje é uma afronta à Declaração Sócio-Laboral. É não permitir que os trabalhadores se organizem.”
Para Quintino, os governos da região devem, ao menos, rejeitar a entrada do Panamá no bloco. “Minimamente dizer que os países não aceitam que façam parte do Mercosul um outro país que não respeita a Declaração Sócio-Laboral. Isso é o mínimo que os governos têm que fazer nesse momento.”
Nota de repúdio internacional:
A Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), que representa trabalhadores do Mercosul, publicou declaração contra o governo panamenho (leia na íntegra abaixo), classificando as ações como "ataque frontal à democracia".
DECLARAÇÃO DE REPÚDIO DA COORDENADORA DAS CENTRAIS SINDICAIS DO CONE SUL (CCSCS) AO GOVERNO DO PANAMÁ
A Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), organização que representa milhões de trabalhadores nos países do MERCOSUL, expressa sua mais firme e absoluta condenação à perseguição, repressão e criminalização dos movimentos sindicais e sociais pelo governo panamenho.
Nos últimos meses, o mundo tem observado com profunda preocupação a escalada dos avanços autoritários do governo panamenho, que responde com violência policial, prisões arbitrárias, congelamento de contas sindicais e perseguição sistemática de líderes sindicais e de base, que exercem legitimamente seu direito à livre manifestação e à defesa dos interesses da classe trabalhadora, protegidos pela Constituição.
A repressão brutal contra sindicatos como SUNTRACS, ASOPROF e outras organizações de base que lutam pela revogação da reforma da previdência, em defesa da soberania nacional e contra a exploração predatória dos recursos naturais constitui um ataque frontal à democracia, aos direitos humanos e aos direitos fundamentais dos trabalhadores panamenhos.
Diante deste cenário inaceitável, a CCSCS exige que o governo panamenho:
A CCSCS também denuncia que as ações criminosas do governo panamenho de repressão a manifestações legítimas, ataque ao movimento sindical e violação de direitos trabalhistas representam uma grave violação dos princípios fundamentais do MERCOSUL, especialmente a cláusula democrática e os compromissos assumidos pelos Estados-membros em relação aos direitos humanos e trabalhistas.
Portanto, constatamos que, nas condições atuais, o Panamá não reúne os requisitos democráticos e sociais necessários para avançar em qualquer processo de aproximação ou adesão ao MERCOSUL. Um governo que ataca sua própria classe trabalhadora, criminaliza sindicatos e abre mão de sua soberania não pode ser parceiro de um bloco fundado na solidariedade, na justiça social e no respeito aos direitos do povo.
Reafirmamos nossa total e absoluta solidariedade com os trabalhadores e movimentos populares do Panamá. A luta dos nossos camaradas panamenhos é também a nossa luta, por um continente livre, soberano, democrático e socialmente justo.
Quintino Severo
Secretário-Geral da Coordenadora das Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS)
CSA
A Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA),, em abril deste ano, já denunciava a repressão no Panamá. Em nota, a entidade afirmou que ”fortalecerá sua presença internacional em defesa de suas filiadas panamenhas e, ao mesmo tempo, apoiará ativamente os sindicatos em todas as medidas que tomarem, nas ruas e em nossas tribunas, em resposta a esta gravíssima violação dos direitos dos trabalhadores. Reafirmamos nossa solidariedade com os sindicatos panamenhos e nosso compromisso em defender os direitos dos sindicatos e trabalhadores em todo o continente.”
Veja a íntegra da nota da CSA aqui