Escrito por: André Accarini

Mês do Orgulho: artistas que impulsionam visibilidade para a população LGBTQIA+

Neste guia de artistas que desafiam preconceitos e abrem caminhos para a inclusão e a dignidade, o destaque é a representatividade que fortalece a luta por direitos e inspira a comunidade LGBTQIA+

Fotos: divulgação/Redes Sociais

Figuras públicas da música, televisão e espetáculos sempre foram uma referência e também uma espécie de proteção simbólica para a comunidade LGBTQIA+. No Brasil e no mundo, ao longo da história, a arte e seus artistas tiveram papel fundamental para que essa população pudesse começar a sair da invisibilidade e pudesse erguer bandeiras na sociedade, um território, em termos, proibido. A coragem desses e dessas artistas permitiu que as pessoas LGBTQIA+ fossem vistas não como exceção, mas como parte viva da sociedade, uma “gente digna de respeito e de direitos”.

"A arte é o momento em que nos vemos tratados com igualdade”, define Walmir Siqueira, secretário de Políticas LGBTQIA+ da CUT, ao descrever o papel essencial dos artistas na luta por reconhecimento e respeito da comunidade.

A arte para nós é muito importante. Conseguimos ver um pouco de nós no sucesso, sendo tratados como iguais, abrindo portas que dificilmente nós conseguiríamos como LGBTQIA+- Walmir Siqueira


No Brasil e no mundo, artistas que se posicionam a favor da diversidade sexual e de gênero contribuem para naturalizar identidades que, fora dos palcos, muitas vezes enfrentam hostilidade e violência.

Zezinho Prado, do coletivo LGBTQIA+ da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), também defende essa importância. “A partir do momento que essas figuras públicas e conhecidas começaram a se expressar, ficou mais um pouco mais fácil a gente conversar do tema” , diz.

Ele fala sobre nomes atuais e históricos para contextualizar o peso da arte enquanto um “escudo” para a proteção da comunidade. “De hoje, Lady Gaga, Madonna, de sempre, Ney Matogrosso, Daniela Mercury e não podemos deixar de citar as drag queens como Salete Campari e Rogéria, que são exemplos de visibilidade que abriram caminhos”.

Dos palcos para a vida

Artistas LGBTQIA+ e seus aliados têm exercido um papel fundamental na construção de uma consciência social mais inclusiva. Quando uma cantora, um cantor, ator ou atriz assume publicamente sua identidade, impacta milhares de pessoas que se sentem seguras para, pela primeira vez, serem quem são, sem medo.

Para Walmir Siqueira, esse é um processo de identificação que se dá tanto com artistas consagrados quanto com aqueles ainda invisíveis ao grande público. “Nós temos muitos artistas que ainda não são conhecidos e muitas vezes também enfrentam preconceito por parte da sociedade. Temos essa luta para fazer. Quando a gente consegue ver alguns de nós se destacando podendo se expressar livremente sem nenhum tipo de problema, já é uma grande vitória.”

Ainda segundo Walmir, a existência de artistas LGBTQIA+ cria “momentos raros de naturalidade com toda a sociedade”. Ele observa que, em shows ou espetáculos, as pessoas LGBTQIA+ são tratadas com mais igualdade, mesmo em meio a públicos conservadores. “A gente consegue ter momentos que são raros de naturalidade um artista que todo mundo gosta, que são pessoas LGBTQIA+, que têm idade maior, mas que têm outras pessoas que não são e também gostam daquele artista.”

Para Bia Garbellini, secretária de Juventude da Contraf-CUT, a contribuição dos artistas é essencial para a causa LGBTQIA+. Ela ressalta que nomes de grande visibilidade "ajudam a impulsionar o movimento" e, ao “conseguirem entrar na casa das pessoas, conseguirem estar na mídia”, funcionam como um “certo escudo” para a comunidade.

“Esse papel é fundamental para criar momentos de naturalidade com toda a sociedade, em que a aceitação do público vai além da orientação sexual do artista. Além disso, a arte oferece uma forma de vida digna, sendo um campo onde muitas pessoas encontram oportunidades de trabalho e reconhecimento”, ela diz.

Bia enfatiza ainda que o mundo artístico permite que a comunidade LGBTQIA+ seja “tratada como igual”, criando um espaço onde é possível se expressar livremente, sem nenhum tipo de problema.

Ela cita artistas influentes como Lady Gaga e Madonna em nível internacional e destaca uam das grandes estrelas do Brasil na atualidade, a cantora Liniker. Todas desafiaram e desafiam preconceitos históricos e promoveram a diversidade em escala global, como exemplos de figuras que servem de “espelho” para a comunidade.

A arte ajuda a abrir portas que dificilmente nós conseguiríamos, oferecendo visibilidade, empoderamento e pertencimento- Bia Garbellini

Ícones que abriram caminho

Zezinho Prado recorda que essa representatividade não é nova, mas foi ganhando novos contornos com o tempo. “O artista que fez Vera Verão foi um precursor das questões também”, diz, referindo-se a Jorge Lafond, que marcou a cultura popular brasileira ao levar sua personagem para a televisão aberta nos anos 1990. Zezinho também cita nomes como “o próprio Ney Matogrosso, que sempre se assumiu, se afirmou, resistiu e sempre continuou e Lulu Santos, que demorou, mas finalmente assumiu para ser feliz”.

Daniela Mercury, por sua vez, se destacou ao tornar público seu relacionamento com uma mulher em 2013. “Uma das maiores cantoras do Brasil”, como define Zezinho, ela usa sua voz para defender os direitos da comunidade LGBTQIA+ e não hesita em confrontar o conservadorismo religioso. “O amor não tem gênero, e a felicidade também não”, afirmou certa vez a artista, deixando claro seu engajamento político e social.

A artista Liniker é destacada por sua força de mobilização e representatividade no cenário cultural brasileiro. Durante a Virada Cultural de São Paulo, em maio de 2025ª cantora reuniu 120 mil pessoas no Vale do Anhangabaú, demonstrando seu alcance e relevância.

“Liniker é uma das personalidades que nos representam, funcionando como um ponto de referência e acolhimento para a comunidade LGBTQIA+. Sua presença permite que muitas pessoas se reconheçam, sintam-se em família e encontrem força para seguir, se segurando naquilo que ela representa”, diz Bia Garbellini.

Rainhas globais: Madonna e Lady Gaga

No cenário internacional, Madonna e Lady Gaga talvez sejam os nomes mais poderosos quando se trata de ativismo LGBTQIA+ aliado à cultura pop nos dias de hoje.

No dia 5 de maio de 2024, Madonna encerrou sua turnê mundial Celebration Tour na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, diante de 1,6 milhão de pessoas. Em uma noite histórica, a rainha do pop agradeceu à “nação queer” por sempre estar ao seu lado. “Prometo lutar pelos direitos de amor e liberdade até o último dia da minha vida”, disse.

Madonna é uma das poucas artistas globais que abordou a crise do HIV/AIDS ainda nos anos 1980, quando muitos artistas ignoravam o tema. Também já usou seus shows para defender o casamento igualitário e confrontar leis homofóbicas, como fez na Rússia, onde chegou a ser ameaçada de prisão. No Brasil, em diversas turnês, sempre inseriu mensagens pró-diversidade. Sua música “Express Yourself”, de 1989, apesar de originalmente ter sido escrita para representar o empoderamento feminino, se tornou um hino de liberdade, especialmente entre os LGBTQIA+.

Lady Gaga, que em 2025 voltou ao Brasil reunindo mais de dois milhões de fãs no Rio, também usou o palco para manifestar apoio à comunidade queer. “Meu amor pela comunidade LGBTQIA+ do Brasil é imenso”, declarou. Durante o show, desceu do palco com uma bandeira LGBTQIA+ e cumprimentou fãs com emoção. Sua música “Born This Way” é considerada um manifesto global contra a LGBTfobia. “Se você é gay, lésbica, bissexual, transgênero, não deixe ninguém te dizer que você não é lindo”, disse Gaga em um de seus discursos.

Além disso, ela criou a Born This Way Foundation, que trabalha pela saúde mental de jovens LGBTQIA+ e contra o bullying. Também discursou na ONU em defesa de direitos trans e contra as chamadas “terapias de conversão”.

As drags que abriram a noite

A cena drag é, por excelência, um espaço de resistência e reinvenção identitária. No Brasil, nomes como Salete Campari e Rogéria são lembrados como pioneiras. “Salete Campari abriu portas para um monte de drag queens”, aponta Zezinho Prado.  Essas figuras criaram referências culturais que ecoam até hoje. A visibilidade de artistas drag, como Pabllo Vittar e Gloria Groove, é uma consequência direta dessas lutas anteriores. Pabllo é atualmente a drag queen mais seguida do mundo, enquanto Gloria Groove se destaca ao abordar identidade de gênero e sexualidade em gêneros populares como o funk e o pop.

Artistas que fazem a diferença

A visibilidade LGBTQIA+ também é fortalecida pela atuação de artistas que, além de talento, colocam suas vozes a serviço da transformação social. No Brasil e no mundo, diversos nomes têm se destacado por sua contribuição direta ao combate à discriminação e à promoção da diversidade.

Liniker, cantora trans e negra, é um dos maiores símbolos da nova geração artística comprometida com a causa LGBTQIA+. Sua arte dialoga com questões de gênero, raça e afetividade, criando pontes entre representatividade e empatia. A cantora foi a primeira artista trans a vencer um prêmio Grammy Latino, com o disco Índigo Borboleta Anil, premiado na categoria Melhor Álbum de Música Popular Brasileira.

Linn da Quebrada, atriz, cantora e ativista, também é uma referência nacional. Sua produção artística mistura performance, música e discurso político, sempre em defesa da população LGBTQIA+, especialmente das pessoas trans e travestis. Linn tem usado o palco e as telas como espaços de denúncia contra a LGBTQIAfobia e de afirmação de identidade.

Miley Cyrus, artista internacionalmente conhecida, fundou a Happy Hippie Foundation, organização dedicada a apoiar jovens LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade, especialmente aqueles em situação de rua. Sua atuação vai além da música, promovendo impacto social direto.

RuPaul, pioneiro da cultura drag, transformou o entretenimento global com o sucesso do reality “RuPaul’s Drag Race”. Muito além da TV, sua figura ajudou a desmistificar o universo drag e influenciou uma nova geração a se orgulhar de sua identidade.

Artistas que romperam o silêncio e quebraram barreiras

Vários outros artistas do Brasil e do mundo foram essenciais para que a história da comunidade LGBTQIA+ avançasse para além da exclusão e da violência. Se hoje existem direitos, representatividade e um debate mais amplo sobre diversidade, isso se deve também a músicos, atores e performers que ousaram ser quem são, em tempos muito menos receptivos.

Na música, Renato Russo é um dos grandes símbolos dessa resistência. O cantor participou do Stonewall Celebration Concert em 1994, nos Estados Unidos, comemorando os 25 anos da Rebelião de Stonewall — marco do movimento LGBTQIA+ internacional. O evento foi tão significativo que inspirou o disco The Stonewall Celebration Concert, lançado por ele no mesmo ano. Renato, que viveu parte da carreira em silêncio forçado sobre sua sexualidade, deixou um legado de letras sensíveis e libertadoras que falavam de amor e existência sem rótulos.

Outro nome fundamental é Freddie Mercury, vocalista do Queen, que rompeu os padrões da masculinidade no rock com sua presença exuberante e talento inquestionável. Sua bissexualidade e posterior morte em decorrência da AIDS trouxeram visibilidade ao tema num período de grande estigma, ajudando a quebrar o silêncio sobre a epidemia.

Gloria Gaynor, com o hino “I Will Survive”, se tornou símbolo de resistência emocional e de afirmação para a comunidade LGBTQIA+. A canção foi ressignificada como um grito de força, especialmente nos momentos mais difíceis enfrentados pelo coletivo.

O britânico Boy George, líder da banda Culture Club, também deixou sua marca ao desafiar estereótipos com seu visual andrógino e postura abertamente queer nos anos 1980, mostrando que arte e identidade podem caminhar juntas mesmo sob intensa pressão social.

George Michael, outro ícone do pop internacional, enfrentou a homofobia da mídia e da sociedade após ser forçado a revelar sua homossexualidade. A partir disso, tornou-se um defensor dos direitos LGBTQIA+, doando milhões para instituições de saúde e causas sociais, além de falar publicamente sobre orgulho e autenticidade.

No campo das artes cênicas, Paulo Gustavo teve papel singular. Com seu humor inteligente e afetivo, conquistou milhões com a personagem Dona Hermínia, inspirada em sua mãe. Publicamente gay e ativista da causa LGBTQIA+, Paulo usou sua visibilidade para falar sobre amor, respeito e família. Sua morte, em 2021, causada pela COVID-19, comoveu o país e revelou o impacto afetivo e simbólico que ele teve como artista e cidadão. Em vida, Paulo sempre afirmou: “Rir é um ato de resistência” — e foi exatamente isso que ele fez.

Esses artistas, cada um à sua maneira, ajudaram a abrir caminhos em meio ao preconceito. Transformaram o palco em trincheira e a arte em instrumento político, reafirmando a dignidade de ser LGBTQIA+ em um mundo ainda desigual. Ao romperem o silêncio, deixaram um legado que inspira, acolhe e resiste.

Lista ampliada de artistas de igual grandeza: Majur, Jup do Bairro, Raquel Virgínia  e Anarka La Pepita, de As Bahias e a Cozinha Mineira, Gloria Groove, Zélia Duncan, Ana Carolina, Marina Lima, a eterna Cassia Eller, Simone, Maria Gadú, Ludmilla, Lulu Santos, Edson Cordeiro, entre tantas e tantos outros.

“A gente pode viver harmoniosamente bem”

A arte é mais do que um reflexo da realidade: ela molda comportamentos, derruba muros e amplia horizontes. Ao dizer que “nós podemos viver harmoniosamente bem, sem nenhum problema, qual a sua identidade, qual a sua orientação”, Walmir Siqueira reforça que é essencial lutar pelo direito mais báisco, o de existir com dignidade.

Esse direito, muitas vezes negado no cotidiano, é reafirmado cada vez que uma estrela sobe ao palco e canta por amor, por liberdade, por respeito. É reafirmado quando uma drag enfrenta o preconceito para brilhar na noite, quando uma atriz trans ocupa a tela da televisão, ou quando um vereador LGBTQIA+ assume seu mandato em nome da comunidade.