Escrito por: Henri Chevalier

Imigrantes lutam por trabalho decente no Brasil

Seminário Nacional busca fortalecer movimento sindical na defesa de trabalhadores imigrantes; Luta inicial é pela substituição do "Estatuto do Estrangeiro", feito na ditadura militar

Roberto Parizotti
Seminário cria GT para discutir alterações em novo projeto de Estatuto do estrangeiro

Fortalecer a ação sindical com migrantes e imigrantes, identificar os fluxos migratórios no Brasil e incluir os trabalhadores imigrantes nas discussões sobre trabalho decente.

Com essas pautas, a CUT, em conjunto com o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) e um órgão da Confederação Italiana do Trabalho (INCA/CGIL), organizou nestas quarta (5) e quinta-feira (6) o Seminário Nacional "Trabalho Decente e Migrações", em São Paulo.

A intenção do grupo é embasar o movimento sindical com informações sólidas para combater a exploração dos trabalhadores imigrantes e levantar a bandeira contra a xenofobia.

O estrangeiro não pode exercer atividade de natureza política [...] sendo-lhe especialmente vedado: I - organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de caráter político [...]II - exercer ação [...] no sentido de obter [...] adesão a idéias, programas ou normas de ação de partidos ou facções políticas de qualquer país;III - organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar, com os fins a que se referem os itens I e II deste artigo.Artigo 107 do Estatuto do estrangeiro, de 1980

 

"Estatuto do estrangeiro" ainda é da época da Ditadura

Uma grande batalha das organizações que lutam pelo direito do imigrante é o estabelecimento de uma nova política migratória e a revisão do "Estatuto do estrangeiro" (Lei 6815/80), que foi publicada e aprovada ainda na Ditadura Militar e, portanto, reflete o pensamento da época.

Segundo a Coordenadora Executiva do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), Tânia Bernuy, o documento considera os imigrantes como ameaça aos brasileiros, potenciais elementos subversivos e proíbe manifestações políticas e organizações sindicais. O Artigo 110 do Estatuto afirma até mesmo que "o Ministro da Justiça poderá, sempre que considerar conveniente aos interesses nacionais, impedir a realização, por estrangeiros, de conferências, congressos e exibições artísticas ou folclóricas".

"Não cabe, em uma sociedade democrática, que nós não possamos lutar por nossos direitos", afirma Tânia.

Há, no momento, duas propostas de revisão do Estatuto conhecidas no País. A primeira é o anteprojeto apresentado pelo Ministério da Justiça; a segunda, uma proposta do Conselho Nacional de Imigração (CNIg). Mediante aos pedidos de acesso ao documento do CNIg, o presidente do Conselho, Paulo Sérgio de Almeida, diz que "não há um projeto construído pelo CNIg. Temos uma série de propostas consensuais que estão sendo esquematizadas. Quando ficar pronto, podemos até divulgar - estamos totalmente abertos a discussões - mas o projeto concreto é do Ministério da Justiça".

 

Debater mais e mais

"Nós queremos  construir um debate", afirma o secretário nacional de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney. "A CUT tem uma posição histórica, que é a da livre circulação. Não há mercado reservado aos brasileiros. Nosso debate é que os trabalhadores do mundo inteiro são cidadãos do mundo e podem ir para onde quiserem. É a ideia de menos mercado e mais integração", destaca.

Expedito Solaney, secretário de Políticas Sociais da CUT - Foto: Roberto ParizottiGraça Costa, secretária de Relações do Trabalho da CUT - Foto: Roberto ParizottiO diretor da CUT e representante da Central no Conselho Nacional de Imigração (CNIg), Vitor Carvalho, critica a proposta apresentada pelo Ministério da Justiça para a renovação do "Estatuto do Estrangeiro". Para ele, o anteprojeto - elaborado por especialistas - não ouviu democraticamente a sociedade civil e, por isso, dificilmente representará os interesses dos trabalhadores. "Nós [o CNIG] somos um conselho democrático, com resoluções consensuadas e precisamos ser ouvidos na elaboração do projeto".

Algumas propostas apresentadas pelo Conselho, porém, também foram questionadas pelos movimentos presentes.

A delegação da CUT apontou, por exemplo, que a reunião familiar - concessão de visto aos dependentes de cidadão imigrante no Brasil - estaria garantida apenas aos documentados. Também criticou a proposta de estabelecer como vínculo para essa reunião apenas a condição de dependência econômica, não a questão socioafetiva. Outro problema seria a divisão dos imigrantes - na proposta - entre "qualificados e não qualificados", termo que necessitaria de regulamentação e estabeleceria tratamento desigual entre imigrantes.

Com itens polêmicos nas duas propostas, o público presente no seminário encaminhou a construção de um Grupo de Trabalho (GT) para discutir alterações no projeto com participação social.

A primeira reunião será na quarta-feira (12), às 14h, na sede da CUT Nacional, em São Paulo, e será aberta.

 

Dois Ministérios

Para Vitor Carvalho, há uma discussão envolvendo Ministérios que deve ser anterior à discussão sobre o trabalho do imigrante no Brasil. "Existe uma disputa entre Ministério do Trabalho e Ministério da Justiça sobre quem de fato tomará para si a decisão de pensar o mundo do trabalho, seja nas resoluções que existem para imigração, seja para ter a competência de emitir os vistos para os imigrantes no Brasil".

O CNIg é vinculado ao Ministério do Trabalho; o anteprojeto da Lei de Imigração é do Ministério da Justiça e os recursos financeiros são dispersos. O Anteprojeto prevê a criação de uma autarquia ligada à Presidência na República que concentraria as discussões sobre o tema, mas não é um consenso.

A secretária nacional de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, concorda com a necessidade de uma definição sobre as atribuições dos Ministérios. Segundo ela, há pautas travadas pela disputa entre eles. "Mas é importante resgatar as políticas econômicas e sociais mais abrangentes, como a Política de Valorização do Salário Mínimo, o aumento do emprego formal e Conferência do Trabalho Decente", destaca.

Para Graça, é fundamental associar a agenda da migração ao desenvolvimento do trabalho decente e da melhoria de vida da população em geral. A secretária aponta que quanto melhor a qualidade do trabalho, melhor para todos trabalhadores, sem distinção. "A CUT atua fortemente no congresso pelos direitos dos trabalhadores, principalmente contra a terceirização, e aprofundará ainda mais a atuação no próximo período. Isto atinge todos e todas, incluindo os imigrantes e os já terceirizados", destaca. "Entre as pessoas que estão com trabalho precário, estão os imigrantes. E como não temos legislação forte, como ela está ultrapassada, elas ficam mais vulneráveis".

 

Migrações de Norte a Sul, de Sul ao Norte

Sindicalistas debates diferenças regionais da migração - Foto: Roberto ParizottiGraça Costa lembra da dinâmica migratória no País. "Nós víamos, há pouco tempo, muitos imigrantes nos grandes centros, como São Paulo. Agora é um fenômeno que se espalha. Em Fortaleza, capital do Ceará, por exemplo, a maioria do fluxo está sendo de coreanos, que adquiriram as lojas e revendem materiais industrializados. Sem falar da migração interna, que está muito forte, graças ao desenvolvimento de regiões antes esquecidas. Muita gente do Sul e Sudeste está indo para o Norte e Nordeste", aponta a secretária.

O fluxo migratório no país tem diferentes características, de acordo com a região brasileira.

Ao fazer uma análise sobre a região Norte, o presidente da CUT-Pará, Martinho Afonso Souza, lembra que a região amazônica tem uma luta específica no contexto de Direitos Humanos e Relações Internacionais. "Nós temos uma discussão importante sobre tráfico humano, principalmente de mulheres, na região da Ilha do Marajó. Elas são enviadas para a região da Guiana e de lá seguem para outros países", afirma. "Estive em Manaus e a chegada dos haitianos é muito maior do que no Pará. E o estado do Pará, é bom lembrar, é o primeiro do ranking em trabalho escravo no Brasil. Nossa região não pode ser tratada como as outras, tem especificidades".

Também no Norte, o servidor público Errolflynn Paixão, do Amapá, destaca que o problema maior do estado é com relação a empregos temporários. "Na Amazônia como um todo, levando em consideração a construção de barragens, exploração mineral - como ferro, manganês, exploração de ouro, etc. -, que tem manuseio de produtos que podem contaminar, o fluxo de imigrantes é alto".

No Centro-Oeste, João Luiz Dourado, presidente da CUT-MT, afirma que a grande preocupação são os haitianos. Muitos vieram pelas obras da Copa do Mundo mas, após o fim do Mundial, ficam procurando emprego sem sucesso. "Eles procuram na construção civil e agora estão indo para a área rural. A grande preocupação é que o campo já tem muito trabalho degradante e a qualidade de vida desses trabalhadores pioram com a menor remuneração. Eles têm, majoritariamente, ensino superior, mas ainda assim têm trabalho degradante".

Dourado também ressalta o preconceito.

"Eles sofrem muito preconceito. Se pegam uma gripe, as pessoas já falam que tem relação com AIDS e se afastam. Também misturam o Haiti com a África, dizendo que os trabalhadores têm Ebola. E, acima de tudo, há muito racismo. Temos que nos organizar, na CUT e também com outras centrais, para políticas nacionais para o imigrante. Urgente".

Para Nespolo, as empresas aproveitam os imigrantes para abaixar a massa salarialEm São Paulo, maior metrópole do Brasil, são maioria os paraguaios, bolivianos e peruanos, que trabalham na indústria têxtil e com costura. Segundo a Coordenadora Executiva do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), Tânia Bernuy, recentemente os haitianos têm entrado neste ramo e na construção civil, mas com situações análogas à escravidão. "Há também uma quantidade de profissionais graduados e pós-graduados. Mas eles trabalham em outras coisas porque há muita burocracia no reconhecimento de diploma, o que dificulta a busca por empregos".

O presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, destaca que, no Sul, a característica é um pouco diferente.

No estado gaúcho, o fluxo clássico de imigrantes é de uruguaios "que vêm há tempos ocupando espaços no estado, trazendo junto a família". Mas o perfil vem mudando, e o fluxo de homens haitianos vem crescendo. "Geralmente os imigrantes já chegam com emprego arrumado, principalmente os do Haiti, pois vêm com indicação de quem já está no estado trabalhando. Consegue visto e fica na formalidade", destaca o presidente.

Segundo Nespolo, os imigrantes moram em casas alugadas, popularmente conhecidas como repúblicas, em 15 ou 20 pessoas. "E trabalham na área da metalúrgica, alimentação, moveleiros. E as empresas aproveitam para abaixar a massa salarial, o que é péssimo".

A CUT elaborou a Cartilha "Migrantes no Brasil: Proteção Social e trabalho Decente para Todos/as”, na qual apresenta Convenções Internacionais, meios de requerer direitos e orientações para documentação, residência e estabilidade no Brasil. Confira e replique.