Em meio à crise política e aos ataques à Petrobrás, trabalhadores lançaram a “Pauta pelo Brasil” e transformaram a greve em marco da luta por empregos, investimentos e pela preservação do pré-sal
Há dez anos, os petroleiros escreveram um capítulo importante na história do sindicalismo brasileiro protagonizando uma das greves mais marcantes da narrativa recente do país: um movimento que, iniciado em novembro de 2015, tornou-se símbolo de resistência e motivo de orgulho para a categoria. Uma paralisação que foi além das reivindicações trabalhistas, defendendo a soberania nacional, o papel estratégico da Petrobrás e a preservação do Pré-Sal como patrimônio público.
Crise e ameaça à soberania
Naquele período, a estatal atravessava uma das principais crises de sua história. O cenário internacional era de queda do preço do petróleo, e a Petrobrás enfrentava forte desgaste político após denúncias de corrupção. No Congresso, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 131 ameaçava retirar do Estado brasileiro o controle sobre as reservas do Pré-Sal, alterando o regime de partilha. Ao mesmo tempo, o Plano de Negócios e Gestão (2015–2019) da empresa previa cortes de investimentos e venda de ativos estratégicos, o que poderia comprometer empregos e o papel da Petrobrás no desenvolvimento nacional.
“Vivíamos um momento crítico, com cortes de investimentos, início das privatizações e tentativas claras de enfraquecer o papel estratégico da Petrobrás”. Afirmou o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar.
A resposta da categoria: Pauta pelo Brasil
Em resposta, a categoria organizou a “Pauta pelo Brasil”, conjunto de propostas para recuperar a empresa, retomar investimentos e proteger o sistema integrado de produção. Em julho de 2015, os sindicatos decidiram que a defesa da soberania estaria acima de qualquer pauta corporativa. Pela primeira vez, os trabalhadores se colocaram como parte ativa na disputa pelos rumos da maior estatal brasileira.
Uma greve bem-sucedida
A greve começou em 1º de novembro de 2015 e se espalhou por praticamente todas as unidades do país. Bases da Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Espírito Santo reduziram drasticamente a produção de petróleo, gás e fertilizantes. A paralisação durou até 22 dias em alguns estados sendo comparada, em importância política, à greve de 1995, que impediu a privatização da Petrobrás e durou 30 dias.
“Foi um marco histórico comparável à de 1995 , pois definiu os rumos da categoria ao priorizar a defesa da Petrobrás como empresa integrada, em vez de focar apenas em questões salariais. Essa mobilização fortaleceu a atuação política dos trabalhadores, consolidou o uso do jaleco como símbolo e reafirmou a tradição combativa da Bacia de Campos, com ocupação das plataformas e controle dos meios de produção, retirando 450 mil barris da empresa em quase dois dias — um feito histórico que merece ser celebrado”, afirmou Tadeu Porto – secretário adjunto de comunicação da CUT e petroleiro.
Juventude e tecnologia
A mobilização de 2015 também marcou uma nova geração de petroleiros. Jovens trabalhadores que ingressaram após 2002 assumiram papel central na articulação do movimento, usando redes sociais e ferramentas digitais para comunicar e ampliar a adesão — o que ficou conhecido como “greve tecnológica”.
Apoio popular e solidariedade
O movimento recebeu apoio de mais de 40 entidades populares e sindicais, como CUT, CTB, MST, MAB e Frente Brasil Popular. Em 13 de novembro, cerca de 500 militantes do MST ocuparam o Ministério de Minas e Energia, em Brasília, em solidariedade à pauta dos petroleiros.
Vitória e repressão
Ao fim de três semanas de paralisação, a greve foi considerada vitoriosa. A Petrobrás reconheceu a “Pauta pelo Brasil” e abriu negociação. A categoria garantiu a renovação integral do Acordo Coletivo de Trabalho, mantendo cláusulas que a direção da empresa pretendia suprimir. Houve ainda isonomia para os trabalhadores da Fafen-PR e pressão suficiente para retirar o PLS 131 da pauta do Senado.
Apesar das conquistas, o movimento enfrentou forte repressão. A empresa aplicou multas diárias, recorreu a interditos proibitórios e utilizou a Polícia Militar em unidades operacionais. Líderes sindicais foram detidos e agredidos, entre eles Deyvid Bacelar.
“Naquele novembro, o que nos manteve firmes não foi só a indignação, foi o compromisso com o que é nosso. Na época, tivemos relatos de trabalhadores adoecidos sendo impedidos de sair da planta, familiares barrados nos portões, e o sindicato sofrendo bloqueio de contas e multas abusivas. Mesmo assim, resistimos. A greve foi forte, firme e histórica. E o mais importante: foi coletiva. Eu nunca estive sozinho. Cada trabalhador e trabalhadora que parou contribuiu para mostrar que a Petrobrás não é mercadoria. Dez anos depois, sigo convencido de que lutar vale a pena, e que defender a Petrobrás pública é defender o futuro do Brasil”, disse Deyvid Bacelar.
O legado
A greve de 2015 permanece como referência para a categoria. Além de defender o patrimônio público, o movimento consolidou a participação dos trabalhadores no debate sobre o papel estratégico da Petrobrás para o País. Dez anos depois, a mobilização é lembrada como prova de que a luta coletiva pode alterar os rumos da história.