Escrito por: Carlos Lopes/Hora do Povo
Só falta os Marinho devolverem o dinheiro que ganharam com seu apoio ao golpe de 64 - e ao que veio depois
Na "autocrítica" do "Globo" em relação ao seu apoio à ditadura, só falta uma coisa: os Marinho devolverem o dinheiro que ganharam com seu apoio ao golpe de 64 - e ao que veio depois.
Nos parecem inúteis maiores discussões sobre o que está acontecendo no "Globo" – inclusive a bajulação repugnante do sr. Dines aos Marinho. A "autocrítica" (a síntese é o título da matéria, na edição do último domingo: "Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro", acompanhada do seguinte "olho", como subtítulo: "A consciência não é de hoje, vem de discussões internas de anos, em que as Organizações Globo concluíram que, à luz da História, o apoio se constituiu um equívoco") é somente o resultado do isolamento crescente da mídia reacionária dentro do país. Era de se esperar que os vigaristas mais espertos tentassem sair dessa inelutável tendência... pela vigarice.
Assim são as "discussões internas à luz da História" de "O Globo". Parece até coisa de comunista... Como se "O Globo" fosse uma democracia, em que cada um tem direito a um voto. Mas, no meio da palhaçada, o contrabando: quem disse que o apoio de Marinho à ditadura foi apenas "editorial"? Pelo contrário, a ditadura é que apoiava ele, exatamente porque se propôs a ser a mídia televisiva da ditadura.
O fato é que "a Globo" nem existia em 64 – só passou a existir em 1965, por causa da ditadura e dos americanos da Time, Inc., conhecida, na época, como Time-Life. A ditadura permitiu que Marinho passasse por cima da Constituição e instalasse no Brasil um canal de TV que, no início, pertencia a uma empresa estrangeira, esmagando as concorrentes pelo maior poder financeiro - inclusive a principal, a TV Tupi, de Assis Chateaubriand (que foi para a oposição à ditadura logo no governo Castello Branco) e João Calmon. Ainda existem os anais da CPI em que Calmon demonstrou a ilegalidade da TV Globo.
Em 1964, Marinho possuía apenas um jornal mais ou menos insignificante – mesmo na direita, os jornais principais do Rio eram o "Correio da Manhã" e o "Jornal do Brasil". O primeiro fechou, após um atentado terrorista promovido pelos sequazes da ditadura; o segundo foi triturado, após a recusa da ditadura de conceder-lhe um canal de TV. O outro jornal importante do Rio era a "Última Hora", de Samuel Wainer.
Evidentemente, Marinho não poderia realizar a façanha de se transformar em monopolista da mídia no governo Jango. Daí, derrubá-lo era fundamental para ele – e para os americanos.
Quanto ao texto da "autocrítica", o mais interessante é que essa "autocrítica" é uma defesa do apoio à ditadura.
Diz "O Globo", "reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos", que só apoiou a ditadura porque "adivisão ideológica do mundo na Guerra Fria (…) era aguçada e aprofundada pela radicalização de João Goulart (…) principalmente quando Jango e os militares mais próximos a ele ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas de ‘base’ ‘na lei ou na marra’. (…) Naquele contexto, o golpe (…)era visto pelo jornal como a única alternativa para manter no Brasil uma democracia (grifo nosso).
Quanto ao resto - prisões, cassações, torturas e assassinatos – a culpa, segundo "O Globo" foi dos militares, que "prometiam uma intervenção passageira, cirúrgica", mas fizeram o contrário. Como se Marinho não tivesse estimulado o que havia de pior na ditadura...
Mas, continua "O Globo", em 1984, Roberto Marinho, "ao justificar sua adesão aos militares em 1964, deixava clara a sua crença de que a intervenção fora imprescindível para a manutenção da democracia e, depois, para conter a irrupção da guerrilha urbana". Nos dispensamos de comentar a crença de que golpes de Estado são imprescindíveis para manter a democracia. Quanto à luta armada contra a ditadura, ela só existiu porque existia a ditadura – inverter a questão é cinismo e pouca vergonha.
O resto é mais engraçado. Por exemplo: "em todas as encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da legalidade".
Como se pode comprovar pelo texto acima, sobre seu apoio à ditadura – ou pela revolta popular que quase destruiu a sede de "O Globo", em 1954, logo após o martírio do presidente Getúlio Vargas.