Escrito por: Luiz Carvalho, de Brasília

Fórum Mundial da Educação: 3º dia

Paulo Freire recebe anistia e Paul Singer aponta necessidade de expandir a democracia para além do voto

Ana Freire defende anistia
O terceiro dia de debates do Fórum Mundialde Educação Profissional e Tecnológica, que acontece no Centro de ConvençõesUlysses Guimarães, em Brasília, começou nesta quarta-feira (26) de formamemorável.

 

Antes do início da mesa inaugural, aComissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça, promoveu o julgamento doprocesso de anistia política de Paulo Freire.

 

O educador pernambucano foi perseguidopelos militares por praticar um método pedagógico popular que busca aguçar osenso crítico, valorizar a experiência pessoal no processo de educação e colocao ensino a serviço da conscientização e da autonomia do cidadão. As idéiaslibertárias o levaram à prisão, após o golpe de 1964 instalar aditadura no Brasil e acabar com o Plano Nacional de Alfabetização (PNA), que Freirehavia criado e começava a colocar em prática durante o governo João Goulart.

Aodeixar a cadeia, Paulo Freire teve de se exilar e passou 16 anos aplicando seuconhecimento no exterior e lecionando em instituições como a universidade deHarvard. Voltou ao País apenas em 1980, onde permaneceu até morrer.

 

Culpadopor lutar pela igualdade – Na defesa do pedido de anistia, o relator do processoe um dos conselheiros da comissão, Edson Pastori, lembrou que Roberto Freire foi acusado de "mudança ou tentativa de mudança da ordempolítica.”

 

Logo depois, Ana Freire, esposa com quemviveu até os últimos dias e requerente do pedido, subiu ao palco para destacara importância da anistia para resgatar a cidadania plena, sem lacunas. Em seudiscurso, ela lembrou da dor que Freire sentia pela saudade e por ver negadasua condição de brasileiro. “Hoje celebramos um homem que amou visceralmente opovo do nosso País”, citou, entre lágrimas.

 

Durante a votação do requerimento, a conselheiraAna Maria ressaltou uma das anotações da ABIN (Agência Brasileira deInformação) sobre Paulo Freire: “vinha comunizando o nordeste brasileiro comseu método revolucionário”, uma espécie de elogio partindo de um órgão doregime autoritário.

 

Por unanimidade, a solicitação foiaprovada.


“Estamos diante da oportunidade de pensar em cada um dos brasileirosque viveram e ainda vivem a exclusão do acesso à educação. Foram eles osmaiores prejudicados pela perseguição a Paulo Freire e ao PNA. Nós nosdirigimos à senhora - referindo-se à Ana Freire – e pedimos desculpasoficialmente pelos erros que o Estado brasileiro cometeu”, finalizou PauloAbrão, presidente da Comissão de Anistia.

 

Ana Freire defende anistia Educaçãoe democracia – Aprimeira mesa discutiu educação, ética, inclusão e diversidade.

 

O diretor do Instituto Paulo Freire erelator do debate, Moacir Gadotti, iniciou sua palestra ressaltando que Freirese preocupava também com os exilados internos. “Ele só será amplamenteanistiado quando não houver nenhum analfabeto no País”, disse.

 

Para o diretor do Centro Songhai, em Benin,Frei Godfrey NZAMUJO, a luta contra a pobreza deve ter como referência aprodução sustentável e a oferta de serviços que correspondam à necessidade dospobres. “Temos quatro bilhões de pessoas de baixa renda cujas necessidades nãosão atendidas”, falou.

 

NZAMUJO defende a organização de um novosistema educacional que valorize o conhecimento aliado à habilidade e a umconjunto de valores que inclui a honestidade, a disciplina e a ética nascomunidades.

 

A seguir, o professor da Faculdade deEconomia, Administração e Contabilidade da USP, Paul Singer, indicou o papel daeducação no processo de inclusão. “O ensino é o passaporte que permite à pessoaingressar na economia e ao mesmo tempo exclui socialmente quem não possuiescolaridade”, analisou.

 

Ele atacou ainda a idéia de que oconhecimento provém exclusivamente dos bancos escolares. “Na nossa sociedadehipócrita se supõe que mais escolaridade significa mais conhecimento e issoserve para explicar as desigualdades sociais.”

 

O professor fez questão de destacar aimportância de programas sociais como o EJA (Educação de Jovens e Adultos), e oProUni, mas ponderou que o aumento do número de pessoas com diploma, por si só,não é capaz de mudar a estrutura social e econômica. “A economia tem que crescercom taxas correspondentes à inclusão educacional para mexermos com essarealidade”, destacou.

 

Singer terminou com duas propostas parasuperar o desafio da discrepâncias sociais: intensificar a luta por direitossociais – salários decentes, serviço público capaz de atender a todos – e o acesso democráticoaos meios de produção. “Para lutar conta a grande desigualdade econômica, épreciso que todos posam dividir o poder e tenham capacidade de decisão. Issose chama economia solidária. Precisamos criar um ambiente em que a diversidadepossa se desenvolver e a democracia não se restrinja ao direito de votar e servotado.”

 

Ana Freire defende anistia Osaber na prática –À tarde, o diálogo sobre a importância da valorização do conhecimento adquiridopela prática continuou.
 

A diretora geral do Cégep Marie-Victorin,Nicole Rouillier, apresentou um  programa adotado em Quebeque, Canadá, queune os aprendizados formais e informais.

O sistema Arap surgiu para certificar os chamados conhecimentos práticos e determinaros treinamentos necessários para obtenção de um diploma. A ação é útil,por exemplo, para validar os saberes de imigrantes que possuem documentosescolares não reconhecidos pelas autoridades canadenses. “O mais importante é oque ele aprendeu e não o lugar ou as circunstâncias em que aprendeu”, acredita.

 

Presidente do Instituto Paulo Freire na Itália,Silvia Maria Manfredi, analisou as concepções políticas e ideológicas por trásdos conceitos de saber formal e informal. “Eles indicam diferençade poder, de valor e de hierarquia. Quando o saber formal é considerado maisimportante e se torna direito de poucos, isso é sinal de exclusão”,classificou.

 

Para ela, é preciso valorizar o saber nãoformal por meio de políticas públicas que ofereçam certificação profissional. “Precisamosde um mecanismo institucional que valide aptidões a partir da experiênciavivida. Nosso sonho é que no futuro tenhamos técnicos reconhecidos também poraquilo que aprenderam  no decorrer da vida, como já acontece em países como França”,defende.