Escrito por: André Accarini

Fim de sistema da Casa da Moeda enfraqueceu fiscalização de bebidas, diz sindicato

SICOBE, o Sistema de Controle de Bebidas, da Casa da Moeda, criado para tributar, monitorar e garantir qualidade das bebidas, foi paralisado no governo Temer. Sindicato quer retorno imediato por segurança

Marcelo Casall Jr/Agência Brasil

Importante instrumento de fiscalização da produção de bebidas, descontinuado pelo governo Temer em 2016, quatro meses após o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (SICOBE), operado exclusivamente pela Casa da Moeda e vinculado à Receita Federal, poderia hoje ser um aliado poderoso no controle do setor, contra fraudes e adulterações que preocupam consumidores e indústrias sérias. A avaliação é de Roni Da Silva Oliveira, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Casa da Moeda do Brasil.

Criado por lei em 2008 e sancionado pelo presidente Lula, o SICOBE funcionou como um selo digital fiscal, colocado diretamente nas garrafas durante a produção. Cada unidade era registrada com informações sobre fábrica, horário e especificações do produto, garantindo tanto a tributação correta quanto o controle sanitário.

“Se tivesse o selo SICOBE nas garrafas quem vêm sendo adulteradas, muito provavelmente uma adulteração seria muito mais difícil. Saberíamos na hora qual fábrica, o local, horário e quem produziu aquela garrafa”, explica

Tributação

Para além de dificultar as fraudes o sistema tinha uma importante função – a de controle fiscal de produção. Entre 2008 e 2016, período de operação do SICOBE, o sistema reduziu significativamente a evasão fiscal no setor. Desta forma, além de fiscalizar tributos, funcionava como ferramenta sanitária, prevenindo adulterações e garantindo que grandes fabricantes não fossem prejudicados por produtos clandestinos.

As fiscalizações trouxeram resultados positivos na questão fiscal. “O Brasil saiu de oitavo para quarto produtor mundial de cerveja sem abrir uma fábrica só por conta do sistema”, lembra Roni Oliveira, destacando que o mecanismo permitiu identificar desvios na indústria e aumentar a arrecadação. Hoje, segundo cálculos da Casa da Moeda, a paralisação do SICOBE representa uma perda anual de aproximadamente R$ 15 bilhões ao governo.

Por que parou?

O SICOBE foi paralisado por ato declaratório executivo da Receita Federal, assinado por um servidor a mando do governo Temer. Desde então, a Casa da Moeda e o sindicato defendem a religação do sistema, alertando que a ausência do controle facilita a adulteração e a fraude. O dirigente afirma: “A gente não tem como fiscalizar e garantir nada. É por conta própria. E em sorte divina se vai ter alguma coisa ou não”.

Atualmente, a fiscalização depende da autodeclaração das indústrias, que informam à Receita apenas o que desejam.

O sistema e a casa da Moeda

“A exclusividade de operação do SICOBE pela Casa da Moeda é prevista por lei, assim como o selo de cigarro ou a produção de cédulas pelo Banco Central”, exemplifica Roni  Oliveira sobre o selo.

Ele acrescenta que a Casa da Moeda tem toda a capacidade de evoluir o sistema “Estamos falando do sistema que foi paralisado em 2016. Poderia ter algum nível de parceria com o Ministério da Saúde, Procon e vigilância sanitária para desenvolver um SICOBE remodelado”.

Para isso, ele diz é preciso vontade política e parcerias para implementar uma solução. “Ao invés de lutar contra o sistema, seria possível negociar com esses atores e discutir uma volta do sistema mais seguro e eficiente”, ele diz, mencionando entes como o Ministério da Saúde, a Anvisa, o próprio Ministério da Fazenda e o setor empresarial.

Luta

Nos anos seguintes ao fim do sistema, Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Casa da Moeda do Brasil lutou para manter a lei que criou o SICOBE e impedir a privatização do serviço.

Durante o governo Bolsonaro, a Medida Provisória 902 tentou quebrar a exclusividade da Casa da Moeda, sendo que 90% da justificativa se baseava no selo de controle de bebidas. “Enquanto o setor privado queria fazer esse controle, ele servia porque não serve por um ente estatal, que é a Casa da Moeda”, explica Oliveira. A vitória do sindicato manteve a exclusividade pública intacta.

No plano jurídico, a religação do SICOBE enfrenta um impasse. Decisões favoráveis do Tribunal de Contas da União (TCU) determinaram a retomada do sistema, mas a Receita Federal recorreu à Advocacia-Geral da União (AGU), que entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo temporariamente a medida.

Roni Oliveira considera essa postura “um grande erro” e defende diálogo entre Receita, Casa da Moeda e Ministério da Saúde para criar um SICOBE remodelado que garanta tanto arrecadação quanto segurança à população.

O retorno do sistema é apoiado por grandes indústrias, que veem no selo digital uma forma de proteger produtos legítimos e impedir que fabricantes clandestinos entrem na cadeia de produção. “Minimamente, do jeito que era, inibiria qualquer falsário, qualquer adulterador”, conclui Oliveira.

Na próxima quarta-feira (8), uma audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação do Congresso discutirá a questão. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Casa da Moeda, associações de bebidas e representantes do Ministério da Fazenda participarão do debate, buscando soluções para religar o sistema e fortalecer a fiscalização de bebidas no país.

Cuidados

O Ministério da Saúde reforçou orientações diante do aumento de casos de intoxicação por metanol no país. A recomendação é procurar atendimento médico imediato em caso de suspeita de ingestão de bebida adulterada e evitar a automedicação.

Os sintomas de intoxicação por metanol podem surgir entre 12 e 24 horas após a ingestão e se confundem com os de uma ressaca, incluindo dor abdominal, visão turva, confusão mental e náusea. Quem apresentar esses sinais deve procurar atendimento médico e relatar detalhes sobre o consumo da bebida.

O metanol é um álcool usado em solventes e produtos químicos, altamente tóxico quando ingerido, podendo causar danos ao fígado, cérebro e nervo óptico, levando à cegueira, coma ou morte.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, destacou a importância de aumentar as notificações e informou que o Brasil possui um guia de orientação e o antídoto recomendado, o etanol farmacêutico. Como prevenção, alertou para três cuidados principais: não dirigir após consumir bebidas alcoólicas, manter-se hidratado e alimentado, e verificar a origem e o lacre das bebidas.

Profissionais de saúde devem notificar casos suspeitos aos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox), que existem em 19 estados e contam com equipes multidisciplinares.

O tratamento indicado é feito com etanol farmacêutico, produzido em grau de pureza adequado e administrado por via intravenosa ou oral sob controle médico.

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