Escrito por: Elizângela Araújo/SINPAF

Entrevista: Globalização intensifica...

   



  

Compós-doutorados na Itália, França e nos Estados Unidos, o professor Sadi DalRosso, titular de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), tem se dedicadoa estudar temas como condições de trabalho, jornada de trabalho, transformaçãoda força de trabalho na agricultura, educação superior, movimentos sociais,método de pesquisa e teoria. No final de fevereiro, ele recebeu a reportagem doSpalhaphatos para falar sobre precarização do trabalho.

 

Aoenumerar pelo menos quatro categorias de precarização – salarial, doscontratos, das condições materiais e ambientais e da energia do trabalhador –ele afirma que a luta contra a precarização é “contínua, infinita”, e que ostrabalhadores devem discutir as formas de organização do trabalho para entenderesse processo.

 

Autorde uma pesquisa sobre a intensificação do trabalho nos setores maisglobalizados – ou mundializados, como diz – Dal Rosso afirma que embora nãotenha aplicado questionários na Embrapa, a estatal está no rol das empresasonde mais tem havido uma intensificação da pressão por resultados. “E essaintensificação significa uma maior cobrança por resultados, publicações,pesquisas etc.” A pesquisa rendeu o livro “Mais trabalho! – A intensificação dolabor na sociedade contemporânea” (Boitempo Editorial, 2008), que analisa aexpansão capitalista no início deste século para confirmar sua principalestratégia: a intensificação do trabalho humano para proporcionar mais lucrosaos detentores do capital.

 

-Vamos começar essa conversa com uma definição para o termo precarização.

 

-Precarizar significa tornar o trabalho de uma qualidade inferior. Essadegradação, como os autores da Sociologia falavam nas décadas de 50 e 60, podeser verificada em vários setores e condições de trabalho. Há precarização dascondições salariais – se o seu salário perde para a inflação ano a ano, estásendo precarizado. Há a precarização dos contratos, que ocorre no Brasilprincipalmente a partir dos anos 90, e que é a contratação sem garantia dedireitos e benefícios trabalhistas. Um exemplo bem próximo a nós é do pessoalda limpeza. Isso acontece muito nas universidades públicas e deve acontecer naEmbrapa e em outras estatais de pesquisa agropecuária também. Ainda hoje,muitos desses trabalhadores não recebem férias. Há, ainda, a precarização dascondições de trabalho, que diz respeito às condições materiais e ambientais dotrabalho. E também podemos usar esse termo nos referindo a quanto esforço eenergia um trabalhador dedica à sua atividade laboral. Então, a precarização,como se vê, aplica-se a vários domínios diferenciados. Por isso chamo essetermo de guarda-chuva, porque debaixo dele cabem muitas coisas.

 

-O emprego formal, então, não é garantia de não precarização para o trabalhador.

 

-Não. A luta contra a precarização é contínua, infinita. Como já mencionei, alémda flexibilização contratual há a precarização das regras que regem ascondições ambientais e sociais do trabalho, por exemplo aquelas relativas acomo as pessoas são tratadas – o tratamento por gênero, por etnia, tudo issotem a ver com a precarização.

 

-Pressão por resultados é uma constante na vida do trabalhador. O que mudou nosúltimos anos?

 

-Nos últimos 20 ou 30 anos, no Brasil, houve uma intensificação da pressão dossetores empregadores por resultados. Se esse aumento de resultados não ocorrepela via de tecnologias mais produtivas ou medidas semelhantes, ocorre por meioda intensidade do trabalho. E isso tem repercussões na saúde do indivíduo e dogrupo. Surgem problemas emocionais, físicos e assim por diante. Temporalmente,a precarização vem do chamado período neoliberal, que ocorre a partir da décadade 70 nos países mais centrais e, no Brasil, nos anos 90 e comecinho dos anos2000.

 

-Quais são os fatores dessa precarização?

 

-No meu entendimento, ela tem suas causas na forma como o trabalho é organizado.Quem é que decide sobre isso? Quando se trata de indivíduos inseridos nochamado trabalho autônomo, ou por conta própria, o trabalho é organizado daforma que lhe for mais conveniente. Já no trabalho assalariado quem organiza otrabalho é o patrão, seja uma empresa privada ou o governo, que controla odesempenho, os resultados, a jornada, e os modelos de contratos. Então, nessesentido, a organização do trabalho depende menos da vontade de quem trabalha emuito mais da vontade das empresas e dos governos, que decidem o ritmo, ajornada e as condições de trabalho.  Seolharmos para esse processo de precarização, veremos que, historicamente, eleparte daqueles que querem aumentar, a qualquer custo, os resultados do trabalho.Nesse sentido a organização dos trabalhadores é, sobretudo, uma medida deresistência.

 

- Uma das preocupações do SINPAF (- Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e DesenvolvimentoAgropecuário) é o trabalho disfarçado de bolsa-pesquisa ou estágio,que no rol das empresas estatais de pesquisa e desenvolvimento agropecuário ocorreprincipalmente na Embrapa...

 

-[Essa situação] também ocorre aqui na UnB e entra no que chamaríamos deprecarização ou degradação dos contratos. Não são contratos de trabalhoresultantes de aprovação desses trabalhadores em concurso público, são temporários,sua duração depende da duração da bolsa ou do projeto, que sempre cessa. Nogeral, essas pessoas não têm nenhuma garantia mínima como FGTS,auxílio-desemprego etc. É essa a condição da bolsa. É um tipo de trabalhoprecarizado, vinculado ao que chamamos na literatura de flexibilização do[contrato de] trabalho.

 

-O que o senhor verificou em suas pesquisas sobre a intensificação do trabalho?

 

-Observei, empiricamente, alguns setores capitalistas que eu diria maismundializados, que participam da economia nacional e internacional, como osetor financeiro, de telefonia e de comunicação, o de grandes supermercados, deabastecimento urbano, as grandes empresas nacionais e internacionais. É nessessetores que o grau de intensificação é maior. Eu fiz claramente um recorte deterritórios. Entrevistei as pessoas nos locais de trabalho e embora eu nãotenha aplicado questionários na Embrapa, posso afirmar que ela está nesseterritório com altíssima intensificação de trabalho por seu vínculo, mesmodistante, com as demais estatais – Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrasetc. E essa intensificação significa uma maior cobrança por resultados,publicações, pesquisas e assim por diante. As atividades de tipogovernamentais, típicas de servidores públicos, estão no setor intermediário,assim como empresas medianas, regionais etc. E há um terceiro território ondedificilmente a gente vê que esteja ocorrendo um processo de intensificação, quesão os pequenos negócios, com até três funcionários, porque para eles a questãoda organização do trabalho é uma questão de menores implicações. Embora essasformas de intensificação do trabalho surjam primeiramente nas empresasprivadas, depois elas são introduzidas no setor público.

 

-Quais os motivos dessa intensificação?

 

-Entendo isso como uma questão muito ampla. Depois dessa crise econômica estáhavendo uma mudança na organização do trabalho. A Toyota está numa crise cadavez maior, o que leva o toyotismo a ser questionado. Em escala internacional,quando acontece uma crise, patrões, consultores e governos começam a pensar emcomo sair dela, em como reorganizar o trabalho para que aquele setor saia doprejuízo, de uma maneira mais produtiva, intensa. A própria demissão járeorganiza, impõe um medo muito grande para os que ficam no emprego. Ela impõeuma redistribuição de tarefas internas, impõe a reorganização dos processos detrabalho generalizadamente, em escala internacional. Algumas delas se tornam aspropostas mais efetivas sob o ponto de vista de gestão de empresas e segeneralizam, todo mundo quer adotar aquele sistema. Na época das máquinas, damecanização, era a divisão individual do trabalho. Hoje em dia, é o trabalho emequipe que prevalece. Por quê? Porque oferece a cooperação, o estímulo daspessoas que puxam o resultado do trabalho das equipes.

 

-Organizar-se para discutir e entender a organização do trabalho e suasimplicações, então, é essencial para a classe trabalhadora enfrentar essesprocesso?

 

-Os trabalhadores devem se organizar e discutir a organização do trabalho, ondeele está sendo degradado, onde há perda de salário.  A estrutura básica dos trabalhadores é osindicato, ou, em outros setores de atividade, associações, movimentos – como oMST, o Movimento dos Atingidos por Barragem [MAB], que não se definem comosindicatos mas que estão lutando por direitos e pela melhoria da qualidade dotrabalho também. Então, são essas imensas forças que, no Brasil e no mundo, vãooperando a resistência e avançado formalmente no sentido de um protagonismo, deconseguir conquistas reais. Acho que uma coisa que está em questão agora é aredução da jornada, que para a Embrapa ou para nós do setor público não terámuito impacto, pois já temos 40 horas semanais, mas tem para o restante dostrabalhadores, para os quais é importantíssimo trabalhar quatro horas a menospor semana. Essa é uma luta muito importante.

 

-Embora a simples redução da carga horária não tenha um impacto tão grande paraalguns setores que já têm jornada menor, outras discussões sobre jornada jásurgem, por exemplo, na Embrapa, como a questão da flexibilização dadistribuição da jornada. Essa demanda parte principalmente dos pesquisadores.Essa discussão já é bem intensa na academia e no mercado de outros países, não?

 

-Existe uma imensa literatura sobre flexibilização da jornada. O que significaflexibilizar a jornada? No caso dos pesquisadores da Embrapa uma flexibilizaçãoestaria atendendo a uma reivindicação deles, mas as empresas também tomam essainiciativa de flexibilizar. Então, o que tem que ser discutido é se essaflexibilização não implica em precarização. Eu acho que na UnB, por exemplo,seria extremamente adequado que as secretarias dos departamentos abrissemespaços mais longos do que das oito às 14 horas e das 14 às 18 horas. Um funcionáriopoderia chegar mais cedo que o outro, que chegaria mais tarde e sairia,consequentemente, mais tarde. Há meios de flexibilizar a jornada sem prejuízospara o trabalhador ou para a empresa/instituição. Na Embrapa, umaflexibilização poderia inclusive aumentar os resultados. Com os mecanismos quenós temos hoje há várias maneiras de controlar isso. Há toda uma literaturaeuropéia sobre jornadas, turnos, entradas e saídas. O que precisa ser cuidadosaé a forma como fazer essa flexibilização para que ela não signifique umadegradação do trabalho, como por exemplo o trabalhador dar mais horas extras ouficar à disposição da empresa. Na Alemanha, logo após a segunda Guerra Mundial,houve muitas formas flexibilizadas de trabalho. Agora, isso tem que ser discutidocom a base, porque a maioria das flexibilizações são contrárias aos interessesdos trabalhadores. Mas é possível distribuir o trabalho em vários horários.Meus alunos de graduação, num estudo, verificaram que especialmente as mulherescom filhos acham importantíssimo a flexibilização, mesmo que reponha [o tempoem que não estavam na empresa] em outro horário. Acho que dá para trabalharisso na Embrapa. É só distribuir as 40 horas semanais. Com todo mundotrabalhando das oito ao meio-dia e das 14 às 18 horas até o trânsito ficaparado. Então, por que temos que trabalhar todos no mesmo horário?