Escrito por: Sindicato da Orla Portuária do ES
Se alguém acreditava que o antigo presídiodo Carandiru, em São Paulo, deixou de existir quando foi implodido em dezembrode 2002, se engana. Talvez aquelas almas perdidas que de lá saíram tenham vindoparar aqui no Espírito Santo, não só encarnadas na forma de presos, mas tambémusando uma roupagem disfarçada, que, por trás de ternos italianos, comandam oEstado.
A situação trágica retratada nos presídiosdo Estado e a falta de diálogo com as entidades de defesa dos direitos humanoschegaram a tal ponto que foram parar na Organização das Nações Unidas (ONU).
Nesta segunda-feira, dia 15 de março, umrelatório sobre a falta de condições nos presídios capixabas foi apresentadopor várias entidades durante a 13ª Reunião Anual do Conselho de DireitosHumanos da ONU, em Genebra, Suíça.
Enquanto a denúncia era apresentada emGenebra, manifestantes se reuniram contra a violação dos direitos humanos nosistema carcerário no Estado em frente à escadaria do Palácio Anchieta, nocentro de Vitória. Pediram justiça e condições decentes para os presoscumprirem suas penas.
O relatório apresentado mostra por fotos,gravações de vídeo e documentos, presos degolados, cortados em pedaços,queimados, vítimas dos próprios detentos e até mesmo de tortura sofrida peloEstado. (Cliqueaqui para ver o relatório).
Já para o dia 19 de março, está previsto odebate do assunto pela comunidade internacional, desta vez em Washington (EUA),durante uma audiência pública da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Visitas proibidas
A situação começou a ficarinsustentável em abril de 2007, quando o Conselho Nacional de Política Criminale Penitenciária apresentou relatório ao Estado sobre as condições da Casa deCustódia de Viana e do Presídio de Celas Metálicas (contêineres), em NovoHorizonte, na Serra. (Clique aqui para ver orelatório).
Para o advogado André Moreira, que já foimembro do Conselho Estadual de Direitos Humanos e é ex-presidente da comissãode Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), desde que ocenário de degradação foi apresentado, o Estado passou a proibir a entrada dosórgãos nos presídios para inspeção.
“A partir daí, começaram osesquartejamentos na Casa de Custódia. No início do governo Paulo Hartung, sedizia que ele tinha uma herança ruim do governo anterior de José Ignácio. Masdepois de quatro anos, a herança ruim é do próprio governo dele, que fechou asportas para o diálogo. Já tivemos intervenção do CNJ (Conselho Nacional deJustiça) e agora a situação está exposta na ONU”, avaliou Moreira.
Para o advogado, toda vez que o diálogo falhar, o movimento de direitos humanosvai atrás até conseguir reverter a situação. “A expectativa é que a nova gestãoda OAB não esteja disposta a esperar que novas mortes aconteçam nos presídiosdo Estado e aja com rapidez para evitar esses quadros”, completou.
Censura
A falta de diálogo foi tão grande que nem mesmo os meiosde comunicação se dispuseram a denunciar as falhas no sistema prisional,insistentemente denunciadas não só pelos movimentos sociais, mas também pelospróprios presos e seus familiares.
A relação de “proximidade” entre a imprensae o governo ficou nítida na omissão de um jornal de grande circulação, quesimplesmente deixou de publicar “por problemas técnicos” a coluna do jornalistaElio Gáspari sobre as “masmorras de Hartung”, no dia 7 de março.
“Atitudes como essa são a maior mostra doautoritarismo perpetuado secularmente em terras capixabas. Estes momentos põema nu o quanto a farsa democrática procura esconder cotidianamente: afragilidade das condições de controle social sobre as políticas públicas e suasconsequências concretas, especialmente em áreas vitais como a saúde e a (in)segurança pública. A violência praticada pelo Estado tem sido a lógica maisperversa das tentativas desesperadas dos governantes em garantir a qualquer custoa acumulação do grande capital em crise, um modelo que já deu toda a mostra desua insustentabilidade histórica”, afirmou Helder Gomes, integrante do RedeAlerta Contra o Deserto Verde.
Sistema falido
Para o padre Xavier Paolillo,coordenador da Pastoral do Menor e membro da Pastoral Carcerária do Estado, osistema penitenciário brasileiro, que conta com quase 500 mil presos, estáfalido.
“Mas isso não deve se tornar justificativapara engolir as violações que acontecem em nosso Estado. Aprendi na vida quenunca a gente deve se comparar por baixo, mas sempre por cima. O referencialpara o Estado de direito é a Constituição Federal, que é clara quando aoreconhecimento da dignidade de qualquer cidadão, inclusive dos presos”, defendeXavier.
Ele conclui dizendo que a forma comoo sistema é encarado pelo Estado não contribui para a ressocialização dospresos. “Descumprir a lei é um péssimo exemplo que o Estado do Espírito Santoestá dando, sobretudo àqueles, como os detentos, que deveriam, ao longo da permanêncianas cadeias, aprender a respeitar a lei”, disse o padre.
Mudança
Para Marta Falqueto, coordenadora técnica do Programa deProteção dos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), a expectativa é positivacom o destaque da situação carcerária em nível internacional.
“O que esperamos com toda essa movimentaçãoé conseguir mudar minimamente a situação do sistema prisional capixaba. Quehaja um tratamento socioeducativo e uma preparação do Estado para não maishaver agressões contra os presos. Por tudo isso, apelamos para os órgãosinternacionais”, relatou Marta.
Para nós, do Suport-ES, a situação éestarrecedora, absurda, medonha, desumana e, acima de tudo, contra todos osprincípios éticos. Repudiamos o descaso do governo e apoiamos os movimentos quenão se calam e não desistem de levar às autoridades máximas outras denúncias dedescaso não só com a insegurança, mas também com a saúde, educação, moradia etransporte.
O Suport-ES se sente envergonhado por estarnum Estado que carrega mazelas políticas tão retrógradas. Quando a vida perde oseu valor, chegamos à conclusão que estamos vivendo o pior momento dahumanidade, pois as leis deixam de ser cumpridas. E quando a segurança públicaentra em condição letárgica, aí percebemos que devemos estar atentos para anecessidade de mudar. Mudar para melhor e garantir a vida.
Temos garantias estabelecidas em nossasleis, mas que não são cumpridas. Todos os dias vemos nossa constituição serdesrespeitada e a barbárie está tomando conta dos presídios, onde vidas estãosendo ceifadas de forma bárbara.
Políticas de reintegração
É chegada a hora de termos açõesefetivas em favor da vida e a justiça precisa ser respeitada por todos. Ninguémpode ser preso para ser morto pelo descaso. Precisamos de políticas de reintegraçãosocial de verdade, precisamos envolver a sociedade em todos os níveis de ações,o que começa pela oportunidade de trabalho, de educação, de saúde e desegurança.
Acreditamos ser possível mudar o quadro.Não é acumulando seres humanos de forma confinada que o Estado trará segurançae garantia de vida para ninguém. Acreditamos que uma política de distribuiçãode renda, combinada com a cobrança efetiva da aplicação dos direitos e dasgarantias fundamentais da humanidade, os responsáveis por desrespeitar asmesmas serão responsabilizados pelos danos cometidos contra a vida.