Escrito por: Luiz Carvalho

Domésticas alertam: golpistas querem a volta dos quartinhos

Durante ato sobre adesão do governo à norma 189, trabalhadoras criticaram impeachment

Roberto Parizotti
Creusa falou sobre a valorização das domésticas durante o governo Dilma

A cerimônia de anúncio do envio ao Congresso Nacional da adesão à Convenção 189 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) por integrantes do governo Dilma, na tarde desta sexta-feira (29), em São Paulo, contou com ministros, membros do Executivo e lideranças sindicais.

Mas nenhum discurso personificou tão bem a importância de uma conquista como essa e, o inverso, o impacto que um golpe pode trazer a avanços como essa norma internacional que trata do trabalho decente - direitos e salários - para as trabalhadoras domésticas.

Presidenta da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), Creuza Oliveira, falou que a resistência é uma obrigação para quem nunca teve acesso a direitos e vê um ataque ao governo justamente por promovê-los.

 “Durante mais de 500 anos o país foi governado por senhores de engenho, não é em 12 anos que se muda a situação. Doméstica ter acesso a hora-extra, adicional noturno? A elite que tinha as trabalhadoras morando 24 horas sem acesso a direito não gosta disso. O que vivemos hoje é o acesso à dignidade”, falou.

Ao apontar que o objetivo do empresariado seria levar as domésticas de volta ao quartinho de empregada, Creuza destacou o que representa a manutenção de Dilma para a classe trabalhadora: “É questão de honra para nós que ela continua a governar, porque o que ela faz incomoda quem não está satisfeito com a Lei Maria da Penha e com o negro sentado no banco da faculdade.”

A ex-doméstica e atualmente educadora física Cláudia Rodrigues citou a filha de 20 anos, primeira da família de negros a ingressar na universidade pública, ao defender avanços é lutar pelo governo que promove essas conquistas.

“As domésticas terem direitos é uma prova do amadurecimento da democracia e lutaremos até o fim para defender essa democracia.”

Representante da Marcha Mundial de Mulheres, Sônia Coelho, que teve como primeiro emprego o trabalho doméstico, aos 15 anos, ressaltou a necessidade de olhar para o horizonte e as opções que o Brasil terá se houver um golpe.

A organização sindical pode garantir a aplicação da lei, destacou Juneia“Para um país marcado pelo racismo e pela escravidão, as domésticas terem os direitos contemplados dá ainda mais garra para a nossa luta em defesa da democracia. Por essa e outras conquistas que teremos, porque foram nesses últimos governos de Lula e Dilma que as mulheres do campo e da floresta, as negras, as lésbicas, as pobres foram reconhecidas como sujeito de política pública pela primeira vez”, apontou.

Próximos passos e resultados

Após a aprovação da PEC das Domésticas, no final de 2015, garantir o acesso a conquistas que outras categorias já possuem, como o pagamento de ao menos um salário mínimo, jornada de oito horas diárias e 44 horas semanais, hora extra, FGTS e seguro-desemprego, a Convenção 189 serve para reforçar a proteção ao trabalho decente das domésticas.

De acordo com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), em 2009, havia 7,2 milhões de empregados domésticos, mais de 93% do sexo feminino. Ao todo, 62% são mulheres negras, o que reforça o papel da norma para a luta pela igualdade de direitos e o combate à desigualdade de gênero.

Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, o próximo desafio passa a ser a organização sindical para garantir a aplicação das conquistas. “Com a ratificação da 189, vamos fortalecer a legislação já aprovada. Temos agora que garantir a organização para garantir que novas trabalhadores sejam formadas para a luta pela manutenção e ampliação de direitos.”

Mais do que o alcance no país, as normas acabam por servir como referência a trabalhadoras de todo o mundo, conforme alertou o diretor da OIT no Brasil, Peter Poschen.

“A norma deu visibilidade a um grupo à sombra e marginalizado. O Brasil foi muito importante para construção da convenção e, antes, construiu uma legislação que está dando frutos. Os salários para essas trabalhadoras continuam modestos, mas tiveram a maior faixa de crescimento dos últimos 10 anos. A formalização também duplicou desde 2014. É um grande passo para a inclusão social e para aplicar o conceito de trabalho decente”, elogiou.

A luta deve continuar

Ministro do Trabalho e da Previdência Social, Miguel Rossetto, apontou que ninguém além dos trabalhadores serão capazes de defender as conquistas, ameaçadas por quem, historicamente, busca artifícios fora da democracia para paralisar avanços.

Plateia fez seu protesto contra o golpe que ameaça direitos e avanços“Essa ruptura democrática por quem jamais teve compromisso com a democracia aconteceu em 1954, em 1964 e acontece sempre que a classe trabalhadora conquista espaço político. A  fala é sempre a mesma, 'chega, essa riqueza é nossa e não há espaço para os trabalhadores na construção da nação”', falou, citando também que a legislação já demonstra a importância da formalização e da luta das mulheres.

Ao lembrar a trajetória de presa política da presidenta Dilma, com quem dividiu cela e ao lado de quem foi também torturada, a secretária Especial de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, apontou que a batalha não pode cessar. Em nome dos que morreram pela democracia e os direitos humanos e para defender quem mais precisa do Estado como promotor do desenvolvimento com igualdade.

“Saberemos resistir ao que vier. E em homenagem a todas as trabalhadoras domésticas que enfrentaram décadas de exploração, resistiremos com luta.”