Escrito por: Walber Pinto e André Accarini

Dieese 70 anos: pesquisador francês aborda sentido do trabalho e democracia laboral

Thomas Coutrot, do Instituto de Pesquisa Econômica e Social da França, detalhou como a perda de sentido no trabalho afeta a saúde mental, reduz a participação e desafia o movimento sindical em suas estratégias

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O Seminário Internacional “Disputar a renda, reduzir desigualdades”, realizado em São Paulo pelo Dieese, em comemoração aos 70 anos da instituição, trouxe ao centro do debate, na tarde desta quinta-feira (11) uma exposição sobre “sentidos do trabalho e a democratização das relações laborais”. Thomas Coutrot, do Ires (Instituto de Pesquisa Econômica e Social, França), apresentou uma reflexão aprofundada sobre como transformações organizacionais, autonomia reduzida e enfraquecimento da ação coletiva moldam a vida dos trabalhadores. A mediação foi feita por Eliana Elias, diretora da Escola Dieese.

Ao longo da exposição, Coutrot avaliou como diferentes reações à perda de sentido se manifestam nos ambientes laborais. Ele explicou que, embora haja trabalhadores que se afastam do emprego, e outros que buscam canais formais de denúncia ou reivindicação, também existe um grande contingente que permanece no posto apesar de fortes sinais de desgaste. “Eu aguento. Ah, eu me calo, abaixo a cabeça e tenho sobreviver no meu emprego. Ah, isso aumenta o risco de depressão”, afirmou, relacionando diretamente a permanência em funções esvaziadas de propósito ao adoecimento.

Ele apresentou dados indicando que, entre 2013 e 2016, a proporção de trabalhadores que entraram em depressão entre aqueles cujo trabalho “perdeu o sentido” dobrou em relação à média geral: “É duas vezes mais quando os trabalhadores perdem o sentido, né? O trabalho perde o sentido”.

Coutrot destacou ainda que trabalhadores tendem a enxergar menos sentido no trabalho do que grupos mais qualificados, mas isso não significa que a dimensão seja menos importante para eles.

“Quando esse sentido é atacado, o risco para a saúde mental dos operários é multiplicado por dois também”, observou. Por isso, ressaltou que o debate sobre sentido do trabalho atravessa todas as categorias assalariadas. “O sentido do trabalho não é de jeito nenhum privilégio de ricos”, disse o pesquisador.

Participação nas decisões e democracia no trabalho

Coutrot conectou a temática do sentido do trabalho à necessidade de democratização interna nas empresas e nos sindicatos. Ele apresentou resultados de pesquisas que avaliam o impacto da participação dos trabalhadores nas mudanças organizacionais.

Se acordo com suas pesquisas apenas 16% dos empregados afirmam ter influência sobre transformações que afetam seu trabalho. Coutrout demonstrou como isso altera profundamente a percepção de sentido. “Quando as mudanças são feitas sem informação prévia, 50% dos empregados declaram não encontrar sentido no trabalho; quando são consultados, esses números caem; e quando se sentem realmente ouvidos, a tendência de perda de sentido diminui de forma significativa”, disse.

Condições de trabalho e comportamento político.

Em um tema relevante trazido pelo pesquisador, as condições de trabalho há evidências na sociologia de que relações de dominação ou participação no trabalho se refletem na vida cívica, segundo o pesquisador. “A falta de autonomia do trabalho leva à abstenção”, afirmou, explicando que trabalhadores com pouca influência sobre suas tarefas têm mais chance de não votar – mesmo quando se consideram fatores como profissão, escolaridade e salário.

Coutrot citou ainda um dado adicional. “Quando perguntados se têm oportunidade de participar de reuniões para discutir seu trabalho, apenas uma parcela dos trabalhadores responde afirmativamente e esse número é muito menos frequente entre eleitores da extrema direita”.

Ele explica que nesse grupo, a sensação não pertencimento e silêncio no trabalho encontra paralelo na política. “Quando o trabalhador se sente despojado de qualquer poder, de qualquer direito à expressão do seu trabalho, ele tende a transpor esse sentimento para a vida política e se abster ou a votar em candidatos autoritários”.

Estratégias de revitalização sindical

Coutrot também apresentou resultados de pesquisas recentes sobre estratégias de revitalização do sindicalismo, tanto na Europa quanto no Sul Global. Entre elas, listou três grandes grupos: reformas organizacionais voltadas a trabalhadores precários ou migrantes; novos métodos de mobilização inspirados no organizing; e transformação dos repertórios de ação coletiva, para além do binômio tradicional negociação–greve, incorporando ferramentas como petições online, intervenções em redes sociais e pesquisas participativas.

Ele destacou em especial a experiência da central sindical francesa CGT com a “abordagem sindical a partir do trabalho”, iniciada em 2010. Segundo Coutrot, trata-se de resgatar a centralidade do trabalho real como ponto de partida para ação coletiva, aproximando sindicatos da experiência concreta e cotidiana dos trabalhadores.

O método envolve a realização de enquetes, entrevistas e reuniões de expressão livre sobre o trabalho, conduzidas de forma a privilegiar as falas dos trabalhadores de base. Nesses espaços, sindicalistas atuam como facilitadores e estimulam a construção coletiva de reivindicações específicas.

“O importante é que essas reuniões não sejam saturadas pela fala dos militantes”, explicou.

De acordo com ele, os resultados relatados pelos próprios militantes são positivos. São eles o fortalecimento da imagem do sindicato, novas filiações, especialmente de mulheres e jovens, e a sensação de que o sindicato está interessado nas preocupações reais das pessoas. Esses processos também levam a vitórias pontuais no local de trabalho e ajudam a “reinstituir a confiança do coletivo”, explicou.

Possibilidades no Brasil

Ao concluir sua explanação, Coutrot observou que a realidade do trabalho no Brasil difere da francesa, sobretudo pela dimensão da informalidade. Mesmo assim, avaliou que metodologias baseadas em enquetes e escuta ativa podem ser úteis no contexto brasileiro, dada a tradição dos movimentos sociais locais em processos permanentes de pesquisa junto às bases.

“Eu acho que isso não é necessariamente útil só para empregados com contrato formal”, afirmou.

Seminário Internacional

O Dieese deu início, na manhã desta quinta-feira (11), ao Seminário Internacional “Disputar a renda, reduzir desigualdades, que marca o início das comemorações dos 70 anos da instituição.

O evento acontece em São Paulo e conta com patrocínio da Itaipu Binacional e apoio do Sesc e da Fundação Banco do Brasil. As atividades têm transmissão pelo canal do DIEESE no YouTube.