Escrito por: Jornal Brasil Atual

Descaso com saúde do trabalhador é...

Paraa médica do trabalho Margarida Barreto, o descaso com a saúde do trabalhador écomparável a um "homicídio culposo corporativo". A pressão excessivano ambiente de trabalho e metas abusivas levam a um número cada vez maior decasos de doenças mentais. Margarida destaca, em entrevista à Rede Brasil Atual,que casos de depressão que levam a ideação suicida merecem mais atenção dasociedade.


Amédica foi uma das precursoras no estudo do assédio moral. A pesquisadora doNúcleo de Estudos Psicossociais de Exclusão e Inclusão Social da PontíficeUniversidade Católica de São Paulo (Nexin/PUC-SP) foi considerada apersonalidade de 2009 pela Revista Cipa. O prêmio laurea profissionais da saúdedo trabalho desde 1985.


MargaridaBarreto foi uma das formuladoras do conceito sobre assédio moral durante suatrajetória acadêmica em Psicologia Social. Tanto em seu mestrado, de 2000,quanto no doutorado, em 2005, ela pesquisou sobre humilhações no ambiente detrabalho e seus efeitos na saúde do trabalhador.


Nestaentrevista, concedida em sua casa, em São Paulo (SP), a médica explica oconceito de assédio moral e o que considera ser o papel do movimento sindical."No campo dos direitos, o trabalhador passa a ser humilhado", avalia."A gente precisa voltar a ter sindicatos combativos. Combativo no discursoe na prática. Se não houver essa reflexão é balela", sentencia.


Confiraos principais trechos da entrevista:


Oque é assédio moral e qual é sua relação com o trabalho?

Margarida– Eu fui percebendo, ao longo dos meus estudos, que a questão do assédio estavarelacionado à organização do trabalho. O assédio moral não é uma doença e simum risco psicossocial. É um processo que vai ao longo do tempo desmontandototalmente a resistência do outro.


Oassédio é caracterizado pela temporalidade, pode durar meses. Aintensionalidade: "eu sei porque estou te humilhando e o que eu quero aote humilhar". A direcionalidade é: "eu não humilho qualquer um, osoutros assistem, e eu humilho especialmente você". E isso ocorre muitasvezes porque se trata de um trabalhador que tem caracteristicas que odiferenciam dos outros.


Comoa organização do trabalho contribui para o assédio?

Aspessoas até dez ou 15 anos atrás trabalhavam em um grupo, em um coletivo em quetinham vários companheiros de jornada e a meta era decente. A medida que osanos vão passando, com a reestruturação, o que temos é a diminuição do númerode pessoas no ambiente de trabalho e sobrecarga de quem fica. E quem continua,fica com a cabeça baixa, agradecendo por estar ali. A pressão para produzir éacentuada e a meta não é fixa. De cinco anos pra cá, os trabalhos são avaliadosindividualmente. Antes, as empresas usavam a avaliação de 360º, cada um analisavao outro. Hoje, é individual, em um primeiro momento parece melhor porque eu nãoestou mais exposto ao conjunto. A perversão está exatamente nisso, quando seavalia individualmente uma pessoa que nos anos anteriores foi considerado umexcelente trabalhadores de "uma hora pra outra", ele é avaliadoterrivelmente negativo. Mais uma vez a responsabilidade passa a ser dessetrabalhador.


Qualé o comportamento do assediador?

Éa estratégia do próprio assédio: isolar, sobrecarregar de trabalho, mostrar queo trabalhador não é competente, exigir tarefas "para ontem". E quandoo trabalhador dá o máximo de si para realizar a tarefa, ela sequer é analisada.Isso é comum com projetos, o trabalhador se esforça, usa a criatividade com aesperança do reconhecimento e apesar de ter extrapolado até sua hora de dormir,em casa, ou do contato com a família, o projeto vai parar em uma lata de lixo.


Quaissão as consequências do assédio moral?

Oindivíduo se curva e obedece. Se o indivíduo resiste, ele termina depois de umtempo entrando em um desequilíbrio emocional acentuado, e muitas vezes desistedo emprego. O aspecto da educação pedagógica é muito grande, já que quemassiste não fica em silêncio porque se tornou mal caráter. Fica em silêncioporque está com medo aterrador, medo de ser identificado com aquela pessoa queestá sendo humilhada, medo de ser o próximo humilhado. E ali está em jogo algofundamental, é o trabalho dele que virou emprego nessa caracterização deprecarização, é o trabalho que dá subsistência, que o realizava e o qual ele seidentificava.


Aindatemos que considerar o aspecto familiar, é comum famílias onde só um membrotrabalha. Quando esse perde o emprego desestrutura essa família. E ai vem asideações suicidas. Cada vez mais o trabalhador sobrecarregado entra em umestado de estresse e tensão no ambiente de trabalho, acaba adoecendo e sendoafastado e quando tem alta da previdência, a empresa não quer essa pessoadoente.


Aideia de suicídio é algo frequente entre vítimas de assédio moral?

Éhoje um componente muito forte, que não podemos desprezar. Suicídios ocorrem.Que responsabilidade tem esse mundo corporativo por esses suicídios?Normalmente, os casos parecem relacionados a questões de família, a grandesperdas e mesmo à depressão. Mas qual é a causa dessa depressão no ambiente detrabalho? Quando olhamos as estatísticas da Previdencia Social, o número dedoenças com o mesmo status do acidente de trabalho (definidos pelo nexo técnicoepistemiológico) e compara com o número de mortes, fica claro que a situação égrave. É um homicídio culposo corporativo.


São3 mil mortes por ano em consequencia das condições de trabalho, dos riscos dasatividades. São 500 mil acidentes. E esses números podem ser subnotificados,como em situações de morte por infecção hospitalar de alguém internado poracidente de trabalho.


Qualo papel dos sindicatos no combate do assédio moral?

Esseé um novo desafio para os sindicatos, quando você olha o assédio moral de umaforma individualizada, a tendência é você mandar para o médico para cuidar dostranstornos afetivos ou para o jurídico para ele entrar com a ação.


Muitasvezes a ação do jurídico, eu acompanhei pelo Brasil, termina sendo mais umahumilhação. Porque quando esse trabalhador vai para a Justiça, mas ele não querdinheiro, quer dignidade, ser respeitado como pessoa, como ser humano. Nessesprocessos jurídicos, a pessoa termina fazendo acordos de R$ 3 mil, ou até R$ 1mil. Nessas situações, mais uma vez, não é reconhecida a responsabilidade doempregador. No campo dos direitos, o trabalhador passa a ser humilhado. Nisso opapel do sindicato é fundamental. A gente precisa voltar a ter sindicatoscombativos. Combativo no discurso e na prática. Se não houver essa reflexão ébalela.


Comoa senhora vê esse ambiente de trabalho que propicia o assédio? O que precisariaser modificado?

Faltaum pouco de amor, de respeito e de fraternidade. Além de todos esses aspectosfaltarem até dentro dos espaços sindicais, das ONGs, dentro dos diferentesespaços de trabalho. Falta também o indivíduo ver o outro como um igual emdireitos. Esse movimento de compreensão seria um primeiro passo para se começara refletir mais. E quem sabe se perceber que não é esse tipo de sociedade queproduz saúde e dignidade. E então buscar e contruir uma sociedade justa, nãopor meio de um modelo feito e sim de um conjunto de ações coletivas.