Escrito por: Luiza Fernandes e André Accarini
Documento entregue a deputados do Parlamento Europeu denuncia riscos do acordo ao meio ambiente, à indústria e aos trabalhadores; CUT e movimentos pedem outro modelo de cooperação entre os blocos
Representantes da CUT e da Coordenadora das Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS) entregaram, na quarta-feira (23), uma carta conjunta à delegação da Comissão de Comércio Internacional (INTA) do Parlamento Europeu, manifestando oposição ao Acordo Mercosul-União Europeia no formato em que foi estabelecido. O encontro, realizado em São Paulo, contou com a presença de parlamentares europeus e diversas organizações da sociedade civil latino-americana.
A carta, construída em articulação com a Confederação Europeia de Sindicatos (CES), denuncia a falta de transparência nas negociações, a ausência de participação social, o uso de linguagem inacessível e os riscos concretos que o acordo representa para os trabalhadores, para a indústria regional e para o meio ambiente.
Para os sindicalistas, o texto aprofunda uma lógica neoliberal e neocolonial, favorecendo grandes corporações em detrimento do desenvolvimento sustentável e da integração soberana dos países do Mercosul.
“Conseguimos explicitar bem as nossas diferenças e colocamos com clareza a posição da CUT, do movimento sindical e da CCSCS. Somos contrários ao acordo da forma como está, pois ele traz sérios problemas para a classe trabalhadora, para o meio ambiente e para as condições de trabalho”, afirmou Quintino Severo, secretário adjunto de Relações Internacionais da CUT e secretário-geral da CCSCS.
Durante a reunião, o dirigente destacou os impactos esperados caso o acordo seja aprovado. “Temos clareza de que isso vai gerar desindustrialização, menos produção nacional e maior dependência da importação de produtos industrializados da Europa. Isso significa enfraquecimento da indústria local e perda de empregos de qualidade”, alertou Quintino Severo.
O presidente da Comissão de Comércio Internacional, o eurodeputado alemão Bernd Lange, recebeu o documento. Outros parlamentares ouviram as críticas com atenção, ainda que os defensores do acordo tenham insistido nos supostos benefícios comerciais para ambos os blocos.
“Eles dizem que, se o Brasil não vender para a Europa, vai vender para a China. Mas esse tipo de argumento ignora os impactos profundos do acordo, especialmente para o meio ambiente”, criticou.
De acordo com o dirigente, o agronegócio brasileiro é o principal setor beneficiado pelo texto atual do tratado. “Esse modelo favorece apenas a exportação de commodities, com graves consequências ambientais, como o desmatamento. Os próprios parlamentares europeus tiveram dificuldade de rebater esse ponto”, disse.
Além da CUT e da CCSCS, participaram da agenda em São Paulo organizações como Rebrip, Inesc, MST e ISP, que também apresentaram estudos e posicionamentos contrários ao tratado. Para essas entidades, o acordo compromete a soberania dos países do Sul, ao impor regras comerciais que favorecem as economias mais fortes e enfraquecem os mecanismos de proteção ambiental e trabalhista.
Reunião de mobilização
À tarde, uma segunda reunião reuniu militantes e movimentos sociais brasileiros com a eurodeputada Manon Aubry, da França Insubmissa. O encontro, realizado na Mídia Ninja, aprofundou os diálogos sobre possíveis articulações políticas internacionais para travar ou postergar a ratificação do acordo.
“Foi uma reunião mais para pensar articulações com parlamentares de esquerda na Europa. Discutimos formas de pressionar e impedir a entrada em vigor do acordo, que pode ser votado ainda no fim deste ano ou no início do próximo”, relatou Severo.
Segundo o dirigente, o Parlamento Europeu parece ter maioria suficiente para aprovar o acordo, mas ainda há resistência em alguns países, especialmente na França. “Existe uma pressão muito grande do agronegócio francês contra o acordo. Ainda há margem para disputas e para atrasar sua entrada em vigor”, avaliou.
O acordo entre Mercosul e União Europeia foi anunciado em 2019, após mais de duas décadas de negociações. Desde então, enfrenta críticas de movimentos sociais, ambientalistas e sindicatos dos dois blocos, que denunciam retrocessos sociais, ambientais e econômicos.
Para a CUT e seus parceiros regionais, o atual modelo de integração proposto pelo tratado é incompatível com os desafios do século XXI. “Precisamos de outro tipo de cooperação entre os blocos, baseada na solidariedade, na proteção do trabalho e na sustentabilidade”, defendeu Quintino Severo. Ele lembrou que, apesar das promessas de modernização, o acordo mantém estruturas coloniais de exploração, com os países do Sul fornecendo matérias-primas e os países do Norte vendendo produtos industrializados.
A CUT pretende, agora, ampliar o diálogo com parlamentares do Mercosul, mesmo diante da fragilidade atual do bloco legislativo regional. “É fundamental que os nossos parlamentos também nos ouçam. Até agora, o Mercosul não recebeu o movimento sindical para debater o acordo. Vamos continuar pressionando por esse espaço”, concluiu.
A mobilização sindical contra o tratado se intensifica num momento estratégico, às vésperas da apreciação legislativa do acordo. Para os trabalhadores, ainda há tempo para reverter ou ao menos transformar o conteúdo do tratado. Como ressaltou Quintino Severo, “esse modelo de integração não serve para o povo. Precisamos de outro, com justiça social, soberania e trabalho digno.”