Escrito por: André Accarini
Em sintonia com a 5ª Conferência Nacional das Mulheres, sindicalistas da CUT, outras entidades e parlamentares reforçam a urgência da aprovação do tratado que combate violência e assédio no trabalho
Em meio à realização da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, a Câmara dos Deputados foi palco, na manhã desta terça-feira (30), de uma audiência pública com a participação de mulheres sindicalistas da CUT e diversas entidades, que cobraram a ratificação da Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo Brasil.
A convenção reconhece a violência e o assédio como problemas graves que afetam trabalhadores de todos os setores e estabelece medidas para prevenir, punir e erradicar essas práticas no ambiente laboral. (Leia mais sobre o tema ao final desta matéria)
O debate foi promovido pelas Comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Trabalho, a pedido da deputada Juliana Cardoso (PT-SP) e do deputado Alexandre Lindenmeyer (PT-RS), om o objetivo de pressionar o Congresso Nacional a avançar na aprovação do tratado. O Brasil anunciou, em 2023, a intenção de ratificar a convenção, mas o processo segue em análise. A expectativa é que a deliberação ocorra ainda durante o governo Lula.
Mais de 40 países já ratificaram o tratado, mas no Brasil o processo ainda depende da aprovação do Congresso Nacional. Embora ainda não tenha força de lei, a norma já influencia decisões judiciais no país: segundo levantamento da FGV, o número de citações à Convenção 190 na Justiça do Trabalho saltou de 14, em 2019, para 276, em 2023. Em 2024, já foram mais de 396 referências em tribunais regionais e oito no Tribunal Superior do Trabalho.
Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino, a aprovação da convenção é urgente e tem impacto direto na vida de mulheres e de outros grupos vulneráveis.
“A CUT teve uma participação muito importante ainda na construção dessa convenção dentro da OIT. Ela é fundamental para toda a classe trabalhadora, mas para nós, mulheres, a ratificação tem caráter de urgência, porque somos as mais atingidas pelo assédio e pela violência”, afirma a dirigente.
Amanda ainda explica que, outros grupos vulneráveis, como os migrantes, também serão beneficiados.
“Essa luta está conectada à nossa bandeira pelo trabalho decente. Nossa expectativa é que ainda neste governo Lula, que é alinhado às pautas das mulheres, possamos garantir a ratificação desse tratado tão importante”, afirmou Amanda.
Segundo os parlamentares presentes, não ratificar a Convenção 190 seria perder a oportunidade de fortalecer políticas de prevenção à violência e ao assédio no ambiente de trabalho e de assegurar ambientes mais seguros, respeitosos e dignos para trabalhadores e trabalhadoras.
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“A legislação brasileira não tem um conceito claro sobre assédio moral, e a convenção ajuda a preencher essa lacuna”, destacou a deputada Juliana Cardoso.
A Convenção
A Convenção 190 da OIT é o primeiro tratado internacional a reconhecer formalmente o direito de todas as pessoas a um ambiente de trabalho livre de violência e assédio. Ela abrange não apenas violência física e assédio sexual, mas também práticas de assédio moral que comprometem a dignidade e a saúde de trabalhadoras e trabalhadores.
No Brasil, embora ainda não esteja em vigor, a norma tem sido utilizada como referência jurídica. Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, em 2019, a Justiça do Trabalho citou a Convenção 190 apenas 14 vezes. Esse número saltou para 276 em 2023 e, em 2024, já superava 396 menções em tribunais regionais. O Tribunal Superior do Trabalho também contabilizou oito citações diretas.
Ao destacar a urgência da aprovação, Amanda Corcino lembrou que a violência e o assédio não se restringem a casos pontuais, mas atravessam o cotidiano de milhões de trabalhadores, em especial as mulheres, que estão mais expostas às desigualdades de gênero no mercado de trabalho.
Pauta alinhada à 5ª Conferência Nacional das Mulheres
A realização da audiência pública durante a 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres reforça a conexão entre as lutas sindicais e a agenda feminista no país. O encontro nacional reúne representantes de diferentes regiões para debater diretrizes e propor políticas públicas voltadas à igualdade de gênero. Nesse cenário, a ratificação da Convenção 190 ganha ainda mais relevância por dialogar diretamente com o combate ao assédio, à violência e à precarização das condições de trabalho.
Para a CUT, vincular essa pauta à conferência fortalece a pressão social sobre o Congresso Nacional e amplia a mobilização das mulheres em defesa de ambientes de trabalho dignos, seguros e livres de discriminação.
Mais sobre a audiência
Personalidades engajadas na luta pela ratificação da Convenção 190 participaram da audiência. Entre elas, Jan Svrien, da fundação Friedrich Ebert – FES). “A violência no trabalho pode atingir qualquer pessoa, mas os dados mostram que as mulheres são as principais vítimas. Pesquisas indicam que 76% já vivenciaram assédio ou violência, e, entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025, 37,5% sofreram algum tipo de violência — o índice mais alto já registrado, que corresponde a 21,5 milhões de brasileiras”, afirmou Jan Svrien.
Para ele, prevenir a violência “não é apenas uma questão moral ou de direitos humanos, mas também de desenvolvimento, já que ambientes seguros aumentam a produtividade, reduzem afastamentos por adoecimento e tornam empresas mais competitivas”. Segundo Svrien, a ratificação da Convenção 190 sinalizaria “o compromisso do Brasil com o multilateralismo, os direitos humanos e a justiça social”.
Representando o Ministério das Mulheres, Maria Angélica Iguaracema destacou que as principais barreiras enfrentadas pelas trabalhadoras estão ligadas à sobrecarga com tarefas de cuidado, à desigualdade salarial e à violência. Para ela, “o assédio e a violência têm raízes no sexismo e na cultura patriarcal, que desvaloriza o trabalho feminino. A Convenção 190 é inovadora porque reconhece a violência como violação dos direitos humanos, algo que nossa legislação ainda não contempla”.
Pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a analista Mariana Eugênio ressaltou que a violência no trabalho tem impactos trabalhistas, sociais e econômicos. Segundo ela, “a Convenção 190 é importante porque amplia a proteção a todos os trabalhadores, formais ou informais, em setores públicos e privados. No MTE, temos buscado avançar com ações como o Programa Mais Mulheres, guias de prevenção e a inauguração da primeira sala de acolhimento para mulheres no ministério”.
Na mesma linha, a coordenadora Dercilete Lisboa Loureiro, também do MTE, reforçou a função da inspeção e da fiscalização como instrumentos centrais. “A Convenção 190 estabelece como diretriz a inspeção eficaz e a capacitação de inspetores. Sua existência já impacta a legislação, inspirando normas como a CIPA de Prevenção de Acidentes e Assédio. Mas é urgente envolver homens e pessoas não negras nos debates, pois a transformação só virá com a afirmação da diversidade de gênero e raça nos locais de trabalho.”
Representando o Fórum de Mulheres das Centrais Sindicais, Maria Edna Medeiros defendeu a ratificação como prioridade da agenda sindical. “Ratificar a Convenção 190 é uma questão de justiça. Ela combate a violência de gênero e deve ser pauta permanente em negociações e acordos coletivos. É um direito humano básico poder trabalhar com respeito, sem discriminação ou assédio.”
Pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra, Maria Silvia de Oliveira lembrou que a violência no trabalho atinge com maior intensidade as mulheres negras. “A Convenção 190 é fundamental para nós, pois reconhece a interseccionalidade das discriminações. Sua ratificação impõe ao Brasil o compromisso de enfrentar o racismo estrutural e os vieses de gênero e raça que marcam o mundo do trabalho.”
Do lado do Ministério Público do Trabalho (MPT), a coordenadora Daniele Olivares Correia lembrou que a C190 inova ao unir igualdade e saúde no trabalho. “Seu escopo é amplo, abrangendo até a economia informal e reconhecendo o impacto da violência doméstica no emprego. O MPT já recebeu mais de 17 mil denúncias neste ano, e reafirma seu apoio à ratificação como essencial para o cumprimento dos ODS 5 e 8.”
Representando o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernanda Magano fez a correlação entre saúde e trabalho decente. “Sem saúde mental não há saúde. A violência no trabalho, com humilhações e metas abusivas, compromete tanto a saúde física quanto a mental. As mulheres são as mais afetadas, apesar de representarem 70% da força de trabalho na saúde, ocupam apenas 25% dos cargos de chefia. Ratificar a C190 exigirá revisar leis e criar canais de denúncia acessíveis e confiáveis.”
Falando pela Associação Brasileira de Mulheres LBTI+, Fernanda Peregil reforçou a importância da interseccionalidade. “A C190 é constitucional e supre lacunas da CLT após a reforma trabalhista. Ela reconhece as ‘muitas mulheridades’, incluindo as mulheres trans, e é a única norma internacional dedicada a eliminar a violência no trabalho.”
Por fim, em nome do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), Érica Medina Estancioli apontou o papel da fiscalização. “A ratificação da Convenção 190 exige tolerância zero contra o assédio. Ela fortalece o trabalho dos Auditores Fiscais, mas seguimos com o desafio de alcançar o trabalho doméstico, o setor informal e as pequenas empresas, onde está a maioria das mulheres trabalhadoras.”