Escrito por: Valor

Crise traz de volta ao país 400 mil...


 

Imigrantes estão acostumados a viver nacorda bamba. A milhares de quilômetros longe de casa num fluxo sem fim em buscade sonhos em terras alheias, eles são os primeiros a sofrer com as viradas daeconomia.

Na crise atual, que ainda afeta os EstadosUnidos e ameaça se alastrar pela Europa, a população estrangeira nos paísesdesenvolvidos se equilibra entre o aperto das políticas de imigração,desemprego em alta, salários em baixa e, ainda pior, o enfraquecimento docâmbio, que torna desvantajoso enviar dinheiro para ajudar familiares na terranatal ou simplesmente poupar.

 

13,5%já voltaram

 

A combinação desses problemas explica aqueda de novos fluxos migratórios em 2008, de acordo com o Banco Mundial(Bird). Mas o retorno em massa não é uma regra, porque as condições de vida nospaíses fornecedores de imigrantes não mudou muito e há milhões deles jáenraizados no exterior, com famílias e relações sociais firmementeestabelecidas. O Brasil, no entanto, pode ser um ponto fora da curva nessaregra. Atraídos pelo bom momento da economia, com recordes de criação deemprego e real valorizado frente ao dólar, ao euro e à libra, 13,5% dos mais de3 milhões de brasileiros que viviam e trabalhavam fora do país voltaram paracasa nos últimos anos.

 

"Há uma forte demanda [no mercado detrabalho brasileiro], estamos até importando trabalhadores. No setor naval, eusei que estão importando 200 decasséguis [para atuar no estaleiro AtlânticoSul, em Pernambuco]. Estão voltando para o país vários brasileiros que tinhamido para fora, mais de 400 mil que tinham emigrado estão voltando paratrabalhar no Brasil", afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega,durante seminário promovido pelo Valor neste mês, no Rio de Janeiro.

 

70% a80% em situação irregular

 

Aloysio Gomide Filho, chefe da Divisão dasComunidades Brasileiras no Exterior do Itamaraty, corrobora o discurso deMantega, mas não crava um número sobre a importação de trabalhadores. Eleprefere esperar a divulgação, nos próximos meses, de um documento, que estásendo elaborado por cinco ministérios (Relações Exteriores, Trabalho, Educação,Justiça e Previdência), para analisar os impactos da crise para os imigrantesbrasileiros. "Concordamos com as avaliações de que o momento positivoajuda no retorno, mas é importante salientar que ainda não temos númerosexatos. É difícil dizer se todo brasileiro que volta do exterior é imigrante ounão. Eles têm um perfil muito variado e entre 70% e 80% deles estão em situaçãoirregular, principalmente nos EUA e na Europa, que abrigam mais de 2 milhões debrasileiros", diz Gomide Filho.

 

Ele acrescenta que, desde a crise, épossível ter certeza que 60 mil trabalhadores brasileiros no Japão retornaram.Cerca de 20 mil aproveitaram a ajuda do governo japonês, de US$ 3 mil, paradecasséguis desempregados que escolhessem deixar o país. "No Japão,podemos afirmar que o movimento é de retorno, porque os trabalhadoresestrangeiros têm visto de trabalho. A crise gerou demissão em massa,principalmente na indústria japonesa de automóveis e eletroeletrônicos e nosestaleiros."

 

Crisedo subprime e remessas

 

A socióloga Sueli Siqueira, professora daUniversidade do Vale do Rio Doce e autora do livro "Sonhos, Sucesso eFrustrações na Emigração de Retorno - Brasil/EUA", que trata da emigraçãobrasileira de Governador Valadares (MG), lembra que a crise mundial afetouprofundamente o mercado imobiliário, cadeia que absorve grande parte da mão deobra estrangeira nos países ricos. "Quando a crise atinge a construçãocivil, o fluxo migratório imediatamente se transforma. Há uma redução inicial,porque sem trabalho o custo-benefício da migração deixa de ser positivo,atingindo principalmente o imigrante ilegal, sem documento. Mesmo assim, aspessoas continuam emigrando, porque existem o que chamamos de redes migratórias:pessoas que já estão lá oferecem apoio, como acomodação por um tempo eindicação de trabalho", explica ela.

 

Outra forma de apurar a variação do fluxomigratório global, diz Gomide Filho, é pelo volume de remessas e pelos dados depesquisas de governos e instituições multilaterais. Análises recentes do Bird eda Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o envio de dinheiro dos quase 215milhões de imigrantes em todo o mundo para seus países de origem apresentamqueda na passagem de 2008 para 2009, por causa da recessão.

 

Desempregoem alta

 

A taxa de desemprego nas naçõesdesenvolvidas, que passou de 5,8% antes da crise para os atuais 8,4%, conformelevantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI), também é evidênciaimportante para identificar um eventual fluxo de retorno. Segundo Jean-PhilippeChauzy, da Organização Internacional de Migração (IOM, da sigla em inglês),grupo não governamental que estrutura planos de auxílio para a volta voluntáriade imigrantes a seus países de origem, os impactos são visíveis na América doNorte e na Europa, mas não podem ser generalizados.

 

"Ao contrário do que se pensa, não háretorno massivo de imigrantes, com exceção de algumas nacionalidades. Porexemplo: metade do 1,4 milhão de novos cidadãos da União Europeia dos países doLeste Europeu, que migraram para o Reino Unido entre 2004 e 2009, está de voltahoje. Também há pequena evidência de retorno em grande escala de imigrantes dosEUA para a América Latina", analisa Chauzy.

 

Ummilhão abandonaram os EUA

 

Informações do governo americano demonstramque 850 mil imigrantes irregulares deixaram o país na passagem de 2008 para2009. "Entre 2007 e 2009, deixaram o país um milhão de residentes ilegais,coincidindo com a recessão econômica", informa o boletim "PopulationEstimates", de janeiro deste ano, elaborado pelo Departamento de SegurançaInterna. Em 2009, os EUA tinham 10,7 milhões de residentes nessas condições.Segundo o documento, os EUA têm a maior comunidade estrangeira do mundo, com31,2 milhões de pessoas entre imigrantes legais e ilegais - 1,5 milhão debrasileiros.

 

No Reino Unido, cuja presença deestrangeiros corresponde a mais de 10% da população, os pedidos de permissão detrabalho registra redução de 15% desde setembro de 2008. Mas a entrada deestrangeiros supera a saída, embora haja dificuldade em medir isso por causa doenorme número de imigrantes ilegais no país. O consulado brasileiro, que criauma estimativa a partir do atendimento que faz à comunidade, acredita naexistência de 250 mil brasileiros vivendo apenas em Londres.

 

Negócioscancelados

 

O produtor cultural paulista FernandoSoares, mais conhecido como Tubarão, vivenciou o início da crise financeirainternacional na condição de imigrante brasileiro em Londres. Em 13 anos deInglaterra, vida na corda bamba nunca valeu como simples metáfora. Ele semprelevou a expressão ao pé da letra: ele fez muita faxina, morou de favor,recolheu copos em inferninhos londrinos, trabalhou como motoboy, foi preso equase deportado por causa de documentação irregular, driblou a Justiçabritânica a ponto de conseguir asilo político.

 

Em meio a esse turbilhão, ele estudou, seespecializou no showbusiness e se tornou um empresário bem-sucedido da áreacultural, promovendo eventos corporativos e shows com artistas como Seu Jorge,Simoninha e Jair Oliveira, além de organizar serviços de assessoria paracraques brasileiros, seduzidos pelo bilionário futebol inglês, Robinho e Elanoentre eles.

 

Mesmo com um currículo desses, enfrentaruma crise financeira não é tarefa fácil. Ainda em 2008, Tubarão viupraticamente todos os negócios de sua empresa instalada na capital inglesa, aTuba Productions, serem cancelados. "Quando a situação aperta,entretenimento e cultura são cortados em primeiro lugar", lembra.Estimulado por amigos e consciente das chances de criar projetos no Brasil,Tubarão planejou sua volta, ainda em dezembro. "No começo vim para ficarcinco meses, era uma forma de fugir do inverno lá e aproveitar o verão aqui atéque as coisas melhorassem na Europa."

 

Para sua surpresa, recebeu proposta detrabalho no segundo dia em São Paulo e está empolgado com as perspectivas quese desenham para ele. Os passos na corda bamba parecem ter ficado para trás."Em termos de dinheiro, estou melhor agora do que estava em Londres. Nãotinha ideia que poderia ganhar dinheiro com produção cultural no Brasil, umaprofissão que não é reconhecida e tem pouca gente qualificada para atuar. Meusprojetos com a Europa agora são pontuais", afirma.

 

Fonte: Luciano Máximo e Gustavo Faleiros,de São Paulo e Londres para o jornal Valor