Painel reuniu lideranças sindicais, pesquisadores, movimentos populares e o ministro Luiz Marinho para discutir soberania energética, trabalho decente e o protagonismo do Sul Global na transição energética
Na tarde desta quinta-feira (13), foi realizado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) na Zona Azul da COP30 o painel “Ação Sindical no Sul Global por uma Transição Energética Justa e Popular”. O encontro reuniu lideranças movimento sindical, pesquisadores e o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, para discutir os desafios estruturais da transição energética em curso. Mediado por Bárbara Bezerra, diretora da FUP, o debate reforçou que a soberania nacional, o papel das empresas públicas e a participação das comunidades precisam estar no centro das decisões sobre o futuro energético.
O painel reafirmou que o Sul Global deve assumir protagonismo no debate climático, evitando que modelos importados do Norte Global se imponham às realidades e objetivos de países como o Brasil. Representantes da FUP, do DIEESE, do INEEP, do MAB, da CUT e da rede Trade Unions for Energy Democracy (TUED) enfatizaram que a transição energética não pode ser conduzida como mera mudança tecnológica. Ela envolve projeto de desenvolvimento, geração de emprego de qualidade, fortalecimento das estatais e construção de uma política industrial capaz de ampliar investimentos e garantir soberania.
A discussão também abordou a necessidade de transformar a riqueza produzida pela indústria de óleo e gás, incluindo a Margem Equatorial, em vetor de financiamento para uma transição energética ambientalmente responsável e socialmente justa. Os participantes alertaram que, sem planejamento estatal e regulação adequada, o setor de energias renováveis pode precarizar relações de trabalho e aprofundar desigualdades territoriais.
Representando a CUT, o secretário de Relações Internacionais da Central, Antônio Lisboa, destacou que a transição justa não pode permanecer restrita a especialistas ou à linguagem técnica. Para ele, é fundamental popularizar o debate, aproximando o tema do cotidiano da classe trabalhadora e transformando-o em pauta concreta de mobilização.
Soberania e desenvolvimento
Soberania, direito ao desenvolvimento e garantia de direitos são dimensões inseparáveis, de acordo com Lisboa. “Só há desenvolvimento se houver soberania. E só há transição justa se ela for justa para as maiorias, não para as minorias”, disse.
Ele enfatizou ainda que a expressão “transição justa” pertence aos povos e aos trabalhadores: “Essa expressão é nossa. Não podemos deixá-la ser utilizada por quem quer que seja sem o seu sentido original. Para ser transição justa, tem que ser justa — e justa para as maiorias.”
Ao avaliar o papel da COP30, Lisboa destacou o caráter inédito da centralidade dada ao tema pela presidência brasileira “É a primeira COP em que a presidência assume o tema da transição justa como dela. Por mais que talvez não avancemos muito nas negociações, avançamos no processo de mobilização”, pontuou.
Ele reforçou que essa mobilização é indispensável para garantir direitos. “Para assegurar uma transição justa para trabalhadores, trabalhadoras e povos originários, é fundamental que haja um processo de mobilização. As pessoas precisam saber o que é isso e precisam lutar por isso. Não pode ser mais um debate de iniciados.”
Popularizar o debate
Lisboa alertou que o tema precisa chegar ao cotidiano das pessoas. “Eu não acredito que as pessoas se mobilizem por coisas que elas não conhecem. É preciso traduzir isso para as populações”, disse. Ele propôs que sindicatos e organizações populares incorporem o tema às suas pautas: “Tenho insistido que é preciso levar essas questões para as pautas de reivindicação. É lá, nas negociações, que as pessoas começam a entender o que as atinge diariamente.”
O dirigente também defendeu que o governo siga ampliando os espaços de debate , levando as discussões para os sindicatos e para a população. “E o ministro Marinho tem feito isso com muito esforço e competência”, completou Lisboa.
Ao concluir, dirigente cutista destacou o caráter mobilizador da COP30 e a responsabilidade de quem participa do evento.
A COP30 é mobilizadora. Nós que estamos aqui, com esses crachás, precisamos transformar o que estamos discutindo agora nas nossas bases, para que as populações possam saber como vão lutar. Caso contrário, a transição justa não será justa. será injusta.- Antônio LisboaEle citou o caso de Serra do Mel, no Rio Grande do Norte, como exemplo de transição sem justiça: “Apresentamos um trabalho sobre Serra do Mel, onde o PIB cresceu sete vezes, e a população continua sofrendo ainda mais porque esse aumento não se transformou em qualidade de vida. Isso só mudará com conhecimento e mobilização.”
Reformas estruturais e mobilização intensa são essenciais
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, defendeu que não haverá transição justa sem mobilização social intensa e sem reformas estruturais capazes de enfrentar desigualdades históricas. Ele argumentou que o país precisa discutir uma reforma da renda, articulada à política industrial e ao modelo de desenvolvimento. Marinho lembrou que transformações tecnológicas geralmente geram tensões no mundo do trabalho e insistiu que cabe ao Estado garantir que tais mudanças não resultem em maior concentração de riqueza ou precarização.
Marinho reforçou que toda discussão sobre transição deve partir de uma pergunta central: “Justa para quem?”. Segundo ele, não é possível falar em transição climática ou energética sem colocar as pessoas no centro.
O que é ser justa para quem vive na rua? Para o jovem do aplicativo que pedala 12 horas? Para a trabalhadora doméstica? Para o rural que enfrenta estresse térmico? Para quem trabalha nas minas?- Luiz MarinhoMarinho disse que o Brasil tem liderado o debate, mas que os países ricos ainda não assumiram responsabilidades concretas, assim como “milionários brasileiros também não querem colocar a sua participação” no processo.
Ele lembrou que a atualização da tabela do imposto de renda só avançou por pressão popular, e não por consenso. Por isso defendeu mobilização intensa para garantir que empregos atuais sejam preservados e que os novos – inclusive verdes – ofereçam remuneração digna.
Outros pontos de destaque da participação no ministro foram a defesa de uma distribuição de renda, ou, como disse, “uma reforma da renda que envolva quem está no topo”. Ele alertou que, historicamente, “o capital se reinventa para explorar ainda mais” durante períodos de mudança.
No campo político, advertiu que sem maioria no Parlamento será difícil avançar: “Podemos eleger o presidente Lula, mas vamos conseguir maioria no Senado e na Câmara?”
Por fim, destacou o papel do movimento sindical. “Os sindicatos precisam botar nas pautas o debate sobre as transições”, disse ao fazer um chamado à ação.“É preciso botar fogo no parquinho para mobilizar. Se a gente não fizer isso, vamos chorar depois.”
O painel e os temas centrais debatidos
O painel integrou a programação sindical da COP30 no auditório Cumaru do Pavilhão Brasil. Participaram, além de Lisboa e o ministro Luiz Marinho, Bárbara Bezerra (FUP) – mediação, o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacellar, o diretor do Instituto De Estudos Estratégicos De Petróleo, Gás E Biocombustíveis (Ineep), Mahatma Ramos, o economista do Dieese, Cloviomar Cararine, A coordenadora da TUED na América Latina, Lala Peñaranda e Robson Formica, do Movimento Atingidos por Barragens (MAB)
O debate destacou que a transição energética está em disputa e envolve decisões que afetam emprego, território, soberania e o modelo produtivo nacional. Um dos elementos centrais foi a necessidade de fortalecer mecanismos de ação coletiva, estruturar diálogo social qualificado e ampliar a produção cidadã de dados, de modo a subsidiar políticas públicas e negociações coletivas.
O coordenador geral da FUP, em fala sua reforçou que o tema energético envolve escolhas estratégicas para o país. “A transição energética é uma disputa de projeto de desenvolvimento. E, para o Brasil conduzir esse processo com soberania, a Petrobras precisa cumprir um papel central, com investimentos públicos, fortalecimento das cadeias produtivas e valorização dos trabalhadores. Os petroleiros não são entrave — são agentes da mudança”, disse Deyvid Bacelar.
Diretor do Ineep, Mahatama Ramos chamou atenção para desigualdades e impactos que costumam ficar invisíveis no debate. “Os dados mostram uma enorme assimetria na apropriação das riquezas das renováveis. Por isso a produção cidadã de informação é fundamental, especialmente sobre impactos sociais, ambientais e trabalhistas. É isso que garante controle social, transparência e negociações coletivas mais fortes. A expansão de solar e eólica está avançando justamente sobre áreas vulneráveis, o que exige planejamento estatal sério”, afirmou.
O cenário do trabalho na cadeia produtiva e alertou para riscos estruturais foi tema da fala de do economista do Dieese, Cloviomar Cararine. “Há um movimento de substituição de empregos qualificados por postos precarizados. A transição só será justa se vier acompanhada de uma nova política industrial, que recoloque o Brasil como produtor de tecnologia e não como dependente. Trabalho decente e reindustrialização caminham juntos - não existe transição justa sem isso”, pontou.
A diretora da Tued (Trade Union For Energy And Democracy) Lala Peñaranda contextualizou a disputa geopolítica global em torno das novas matrizes energéticas. “Hoje há uma captura privada muito forte sobre a transição energética. O Sul Global não pode aceitar modelos impostos de fora, desconectados das nossas necessidades. A resposta passa por alianças regionais entre sindicatos e movimentos populares, garantindo democracia energética, soberania e apropriação social dos benefícios”
Representante do MAB, Robson Formica defendeu que políticas de transição precisam corrigir erros históricos e incorporar práticas de participação direta. Ele trouxe o olhar de quem vive nos territórios afetados por grandes projetos de energia. “A expansão energética gerou deslocamentos, conflitos e desigualdades. Não existe transição justa sem partir das necessidades das comunidades atingidas. É preciso corrigir erros históricos, enfrentar os impactos e construir políticas que garantam participação direta e proteção real aos territórios”, disse.