Escrito por: André Accarini

COP30: CUT recebe entidades internacionais para reforçar agenda da transição justa

Encontros reuniram sindicatos, movimentos climáticos e entidades na Cúpula dos Povos da COP30. Entre as discussões a experiência coreana e a convergência global contra retrocessos, exclusão e capitalismo verde

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A CUT participou neste sábado (16) de dois debates internacionais na Cúpula dos Povos da COP30, em Belém, que abordaram desafios urgentes da transição justa a partir de experiências sindicais e populares do Sul Global. Os encontros reuniram organizações da Coreia do Sul, Ásia, Europa e América Latina, reforçando a centralidade da classe trabalhadora frente às desigualdades da crise climática.

O primeiro debate, “Transição Justa e a Experiência Coreana”, trouxe dirigentes da Confederação Nacional de Sindicatos Democráticos da Coreia do Sul (KCTU), metalúrgicos, trabalhadores de usinas a carvão e ativistas da Action for Climate Korea. O foco foi a exclusão dos trabalhadores dos planos oficiais de descarbonização e a crítica ao que chamam de retrocesso na política climática do governo sul-coreano.

Taeseong Lee, da KCTU, também trabalhador não-regular de uma central a carvão com 26 anos de serviço, descreveu o impacto direto do encerramento planejado de 40 das 61 usinas do país até 2038. Segundo ele, 8.418 trabalhadores não-regulares e cerca de 100 mil famílias vivem sob ameaça.

“A transição justa não é apenas uma frase bonita; é um grito desesperado dos trabalhadores das centrais a carvão”, afirmou.

Ele criticou o programa governamental que oferece apenas cursos para “fábricas de gelados” e um auxílio de 300 mil wons (moeda coreana). Para Lee, esse pacote representa “violência estatal”.

O dirigente relatou que os trabalhadores não-regulares realizaram sua primeira greve geral em 2025 exigindo estabilidade no emprego e energia renovável pública. O processo de formação e diálogo, disse ele, mudou a percepção no setor. “Mais de 80% dos trabalhadores das centrais concordam com o encerramento das usinas de carvão”, pontuou.

O debate expôs também a avaliação de ativistas climáticos sobre a política nacional. Kyung-rak Kwon, da Plan 1.5, classificou a meta climática da Coreia para 2035 como “vergonhosa e deplorável” e até “claramente inconstitucional”.

Ele lembrou que a pressão do setor industrial reduziu sua própria responsabilidade, estabelecendo apenas 16% da meta de redução e deixando a conta para o setor público. “O preço do carbono é de apenas 1 dólar por tonelada — o mais baixo do mundo — e o Fundo de Transição Climática é insignificante”, afirmou.

Para o setor metalúrgico, os efeitos da transição industrial seguem a mesma lógica: exclusão e precarização. Hyuk-jin Shin, da KMWU (Korean Metal Workers' Union), disse que o governo trata a agenda como mera “reestruturação corporativa”.

Segundo ele, conglomerados como Hyundai e Kia lideram processos sem diálogo com os trabalhadores, resultando na “produção em massa de mão-de-obra com salários baixos e instável”. Como resposta, 1.200 dirigentes receberam formação sobre “Transição Justa Liderada pelos Trabalhadores na Era da Crise Climática”.

O encontro também destacou avanços recentes na solidariedade entre sindicatos e movimento climático. Minjeong Kim, da Action for Climate Korea, lembrou que essa aliança era frágil até pouco tempo. 

“Os ativistas climáticos, que antes seguravam cartazes pedindo o encerramento das centrais, agora seguram cartazes juntamente connosco a exigir garantia de emprego total e energia renovável pública”, disse.

Para os delegados, a lição é clara: “estas lutas não são solitárias, e só podemos vencer se nos unirmos em solidariedade”.

Convergência Global para Transições Justas, Equitativas e Ecológicas

O segundo debate da tarde deste sábado reuniu a CUT Brasil e organizações de diversas regiões do mundo, entre elas FASE, War on Want, TUED (Trade Unions for Energy Democracy), TNI (Transnational Institute), OLCA (Chile), Labour Education Forum (Pakistan), APMDD – Asian Peoples’ Movement on Debt and Development (Asia-Pacific), BAFLF, JKSS (Bangladesh), MONLAR (Sri Lanka), Pacto Ecosocial del Sur e a Global Tapestry of Alternatives (GTA), compondo uma convergência internacional que articula sindicatos, movimentos climáticos, organizações de base e redes antiextrativistas.

A mesa em forma de roda de conversa aprofundou críticas ao risco de captura da transição pelo capitalismo verde e ao crescimento do extrativismo sob novos rótulos.

Os participantes defenderam que a transição justa deve ir além da substituição energética e enfrentar crises entrelaçadas, como desigualdade, neocolonialismo e avanço da extrema-direita e defesa incessante de direitos dos trabalhadores, incluindo questões sociais.

A CUT destacou que essa disputa, no entanto, precisa chegar às bases, especialmente via negociação coletiva. Antônio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da Central, alertou que, no Brasil, são os setores da energia renovável reproduzem desigualdades. “A transição energética frequentemente resulta em uma transição injusta, que precariza o trabalho”, afirmou o dirigente.

Outro tema central foi o Mecanismo de Ação de Belém (BAN), defendido por países do G77 e China. Para o representante da APMDD, o instrumento é uma oportunidade concreta para trazer à mesa questões historicamente invisibilizadas, como minerais críticos e sistemas alimentares. “O BAN é a coisa mais concreta que pode sair de uma COP”, disse, alertando para a resistência de países do Norte Global.

No debate, movimentos indígenas e organizações do Sul Global alertaram que o rumo atual pode consolidar um novo ciclo de extração e dominação. Moira Milan, do povo Mapuche, afirmou que a transição deve mirar uma mudança profunda.
Ela defendeu “a transformação da matriz civilizatória” e ressaltou a urgência de resistir à expansão do hidrogênio verde na Patagônia sob repressão e violência. Para ela, é preciso construir caminhos anticoloniais. “Precisamos de um mundo sem sionismo, sem fascismo”, afirmou.

Um mesmo caminho

A convergência internacional reforça três eixos estratégicos apontados pelas organizações. São eles a educação política profunda, enfrentamento ao capital financeiro e articulação entre ação local e estratégia global.

Representantes recordaram que fundos de pensão do Norte Global financiam o extrativismo do capitalismo verde, e que isso exige respostas coordenadas. O consenso foi de que é necessário haver organização, ação e estratégia, e “não apenas compartilhamento de histórias”.

Os debates deste sábado convergem para o conceito de que a Transição Justa é uma pauta global em disputa, na qual trabalhadores, comunidades e movimentos buscam influenciar decisões que ainda concentram poder em governos e corporações. Para a CUT, a presença internacional é estratégica para fortalecer alianças e trazer ao centro das negociações as desigualdades que marcam o Sul Global.

Ponto em comum para as entidades é o de que a transição não termina na COP. A luta envolve mobilização contínua, articulação internacional e defesa de alternativas que combinem urgências sociais com uma transformação sistêmica de longo prazo. Os debates de Belém reforçaram essa visão, apresentando a Cúpula dos Povos como espaço fundamental para que movimentos organizados construam poder e enfrentem retrocessos.