Escrito por: Redação CUT | texto: André Accarini
Empresa pagará R$ 2,1 milhões por danos coletivos após investigação apontar práticas abusivas. Caso reacende debate sobre o que é assédio moral e quem mais sofre com ele
Uma investigação conduzida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal concluiu que a Poupex, associação privada criada para gerir a Fundação Habitacional do Exército e dirigida por generais, mantém um quadro recorrente de assédio moral.
O inquérito foi aberto após denúncias de trabalhadores e trabalhadoras e revelou que a empresa chegou a demitir quem denunciou ou testemunhou abusos ao Comitê de Ética da empresa. O MPT apontou a prática como forma de retaliação. O caso resultou, no mês passado, na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Pelo acordo, a Poupex se comprometeu a encerrar práticas abusivas e pagar R$ 2,1 milhões em danos morais coletivos. Se não cumprir, poderá ser multada e processada.
Em nota, a empresa alegou que os casos são “isolados e prontamente resolvidos” e afirmou ter uma “estrutura sólida de prevenção e combate ao assédio moral e sexual”. A resposta não abordou, porém, as demissões de denunciantes.
O caso da Poupex mostra que o assédio moral não é exceção, mas um problema estrutural. Ele se reproduz em diferentes setores e atinge especialmente os grupos mais vulneráveis. Reconhecer, denunciar e enfrentar essa prática é fundamental para proteger a saúde dos trabalhadores, garantir dignidade e transformar as relações de trabalho no Brasil.
Mas como reconhecer e denunciar o assédio moral?
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), trata-se do conjunto de comportamentos ou práticas inaceitáveis, repetidos ou não, que causem ou possam causar danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos. Inclui a violência baseada em gênero.
Na prática, significa expor trabalhadores e trabalhadoras a situações de constrangimento, humilhação e desrespeito, que se repetem no cotidiano de forma sistemática. Essa violência psicológica adoece, fragiliza e isola a vítima, ao mesmo tempo em que prejudica o ambiente de trabalho.
É considerado uma das formas mais cruéis de exploração de poder, porque utiliza hierarquia, competitividade ou preconceito para controlar e silenciar.
Entre as condutas típicas estão:
Esses comportamentos, ainda que normalizados em alguns ambientes, são formas de violência psicológica e, portanto, de assédio moral.
O assédio pode assumir diferentes formas:
Embora qualquer trabalhador possa ser vítima, pesquisas mostram que o assédio moral tem alvos preferenciais, ligados a desigualdades estruturais.
Mulheres são as maiores vítimas. Segundo a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, 72% das mulheres já sofreram assédio ou violência no trabalho. O assédio de gênero inclui comentários depreciativos sobre aparência, maternidade, ou a recusa em promover mulheres pelo fato de serem mães.
Pessoas negras também sofrem com frequência. O assédio pode aparecer em forma de piadas racistas, atribuição de apelidos pejorativos, negação de promoções ou desigualdade salarial. Expressões como “serviço de preto” ou “denegrir” ainda circulam em muitos ambientes, naturalizando o racismo.
LGBTQIA+ enfrentam apelidos depreciativos, piadas jocosas sobre sua expressão de gênero, tentativa de forçar adequação a padrões heteronormativos ou até restrição de oportunidades de carreira.
Trabalhadores mais velhos muitas vezes são preteridos em promoções, alvo de piadas ou demitidos sob o argumento de que a empresa “precisa se renovar”. O contrário também ocorre: jovens podem ser tratados como incapazes ou imaturos.
Pessoas com deficiência frequentemente são infantilizadas, alvo de apelidos ou tratadas como incapazes. Expressões como “parece cego” ou “dar uma de João sem braço” reforçam o preconceito.
Durante eleições, há patrões que ameaçam demitir empregados que não votarem em determinados candidatos. Esse tipo de assédio é crime, previsto na Constituição e no Código Eleitoral.
O assédio moral gera consequências graves em várias esferas:
Ou seja: todos perdem.
Trabalhadores e trabalhadoras que se reconheçam vítimas devem buscar apoio jurídico e sindical. Os sindicatos são aliados importantes, com escuta sigilosa e orientação legal.
É fundamental documentar os fatos: anotar datas, horários, locais, guardar e-mails, mensagens ou qualquer prova. O Tribunal Superior do Trabalho recomenda registrar detalhes de cada episódio.
As denúncias podem ser feitas ao setor responsável na empresa, à Ouvidoria, e também diretamente ao Ministério Público do Trabalho, inclusive de forma anônima.
O acompanhamento psicológico é igualmente essencial para lidar com os impactos emocionais.
O combate ao assédio exige mudanças estruturais. Além de ações individuais e sindicais, é preciso avançar na aprovação da Convenção 190 da OIT, primeiro tratado internacional que reconhece o direito a um ambiente laboral livre de violência e assédio.
O Brasil ainda não ratificou a convenção, que tramita no Congresso. Uma vez aprovada, obrigará empresas e governos a adotar medidas efetivas de prevenção, proteção e combate.