Escrito por: Luiz R Cabral
Após desgoverno de Bolsonaro, entidade volta a ter paridade e participação efetiva da sociedade civil. CUT conquista espaço para ampliar a defesa dos direitos das pessoas com deficiência
Após o esvaziamento institucional durante o governo Bolsonaro, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) divulgou, nesta quarta-feira (21), o resultado do processo eleitoral que definirá os integrantes do colegiado para o mandato de 2025 a 2028. Foram escolhidas 15 entidades da sociedade civil e dois representantes de conselhos estaduais, municipais e distrital voltados à defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
Na avaliação do coordenador do coletivo nacional dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência da CUT, Carlos Maciel, o processo de eleição das entidades que farão parte do Conade foi transparente. “No governo anterior, a gente sabe que foi abolido esse processo. Transformaram o que era para ser uma eleição em uma simples seleção de pessoas, o que é inadmissível. Dessa vez, não. Tivemos todas as etapas respeitadas. Não há nada a questionar sobre esse processo. Foi coerente, seguiu todas as normas”, afirmou o dirigente.
Votação
Organizada pela Comissão Eleitoral designada pelo Conade, sob a presidência do Ministério Público Federal (MPF), a eleição foi presencial e aconteceu na última segunda-feira (19), na sede da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em Brasília. Participaram representantes do poder público e da sociedade civil. Ao todo, 30 entidades da sociedade civil e 58 conselhos de direitos se inscreveram para participar. A posse está prevista para o fim de junho.
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“A volta do Conade realmente democrático marca um momento histórico. É fruto de muita luta, persistência e resistência diante do desgoverno Bolsonaro, que desmontou as políticas de inclusão no nosso país. Este é um momento de vitória. Estamos muito animados e, sem dúvida, cheios de esperança. Vamos atuar com firmeza no combate ao capacitismo, na defesa dos direitos e na construção de políticas públicas de qualidade, com respeito e inclusão para todas as pessoas com deficiência”, afirmou Maria Cleide Queiroz, coordenadora do coletivo nacional dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência da CUT.
A retomada do processo democrático no órgão
Com a vitória do presidente Lula em 2023, houve uma reestruturação do Conade em que foi restabelecida a paridade nas decisões e o caráter democrático do colegiado, que volta a contar com representantes da sociedade civil e do poder público.
A CUT, ao lado de entidades aliadas, organizou um bloco de instituições com perfil progressista. Essa frente progressista conquistou cinco cadeiras no conselho:
Deficiências múltiplas
APABB – Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência dos Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade.
Doenças raras ou causas patológicas
MORHAN – Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase
Deficiência mental ou intelectual
IJC – Instituto Jô Clemente
Síndromes
FBASD – Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down
Trabalhadores
CUT – Central Única dos Trabalhadores
A mobilização foi resultado de três meses de articulação por meio de um grupo de trabalho com as entidades aliadas, mesmo aquelas que não participaram diretamente da eleição.
“Foi uma vitória concreta e simbólica. É o retorno da CUT ao espaço de formulação de políticas públicas para pessoas com deficiência”, disse Isaías Dias, diretor da Associação dos Funcionários do Grupo Santander Banespa, Banesprev e Cabesp (AFubesp) e militante do coletivo nacional dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência da CUT.
“Estamos muito animados e sem dúvidas com um olhar de grandes perspectivas na reconstrução de um Conade onde teremos diálogo em todas as frentes progressistas, na perspectiva do combate ao capacistismo fortalecimento dos direitos, na construção de públicas de qualidade, respeito e inclusão para as pessoas com deficiências”, disse Maria Cleide.
Prioridades para os próximos anos
Com o retorno ao Conade, a CUT pretende ampliar o debate sobre políticas públicas voltadas à inclusão de trabalhadores com deficiência. Segundo Carlos Maciel, Coleteivo de Trabalhadores com Deficiência da CUT, isso inclui pautas ligadas à saúde, transporte, educação e acessibilidade no mercado de trabalho.
“Para garantir o direito ao trabalho, a pessoa com deficiência precisa de acesso à educação, saúde e transporte. Todas essas políticas são debatidas no Conade. Por isso, nossa participação no conselho é estratégica”, afirmou.
Outro foco será o combate a Projetos de Lei considerados regressivos. Um deles é o PL 1584/2025, que propõe uma espécie de consolidação da legislação sobre direitos das pessoas com deficiência, mas, segundo os movimentos sociais, desfigura conquistas históricas da Lei Brasileira de Inclusão e retoma uma lógica médica de avaliação da deficiência.
“Esse PL propõe unificar todas as leis sobre pessoas com deficiência em um único código. Mas há uma grande preocupação, debatida na audiência, de que isso abra espaço para mudanças que retirem direitos já garantidos — incluindo a possível revogação da Lei Brasileira de Inclusão, principal marco legal do setor, junto com a Convenção da ONU. A proposta menciona até a anulação de leis vigentes, o que nos preocupa muito. Não aceitaremos nenhum direito a menos”, afirmou Carlos.
O grupo promete ainda pressionar o próprio governo federal para o avanço dessas pautas. “O presidente Lula já disse que o governo precisa ser pressionado para funcionar. Nosso papel no Conade será esse: pressionar com legitimidade, com propostas e organização”, resume Isaías.
O Conade
O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) é um órgão colegiado vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, cuja função é monitorar e avaliar políticas públicas voltadas à inclusão das pessoas com deficiência. Fundado em 1999, o Conade atua em diversas frentes, como educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, esportes, lazer e urbanismo.
A criação oficial do conselho ocorreu por meio do Decreto nº 3.076, em 1º de junho de 1999, inicialmente vinculado ao Ministério da Justiça. Ainda no mesmo ano, o Decreto nº 3.298 revogou o anterior, instituindo a Política Nacional para a Inclusão da Pessoa com Deficiência, mantendo o Conade sob a tutela do mesmo ministério.
Em 2003, a gestão do conselho passou para a então Secretaria Especial dos Direitos Humanos, ligada à Presidência da República. Já em 2010, a Medida Provisória nº 483 modificou a Lei nº 10.683, alterando a denominação do conselho para refletir o compromisso do Brasil com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotando o nome atual: Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Histórico
Em 17 de dezembro de 2019, o governo Jair Bolsonaro publicou o Decreto nº 10.177, que redefiniu o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) como um órgão de caráter paritário, consultivo e deliberativo, subordinado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Embora tenha mantido a estrutura colegiada, o decreto restringiu a representatividade do conselho, reduzindo a pluralidade de entidades da sociedade civil.
Dois anos depois, em 2021, um novo decreto presidencial, o nº 10.821, alterou profundamente o modelo de participação no Conade. A mudança eliminou o sistema eleitoral direto e o substituiu por um processo seletivo. Com isso, as organizações passaram a se inscrever como candidatas, mas sem a garantia de voto — o que comprometeu a dinâmica democrática da composição do conselho.
Diante desse cenário, a CUT optou por não integrar o Conade. “Como não se tratava de uma eleição, mas sim de um processo seletivo, sem critérios transparentes e sem garantias democráticas, decidimos não participar”, relatou Isaías Dias. A Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) seguiu a mesma linha e recorreu à Justiça, questionando a legalidade dos decretos. Posteriormente, o ministro Dias Toffoli, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, revogou as medidas.