Escrito por: Luiz Carvalho
Negociação rendeu US$ 1,3 bilhão sobre área com valor estimado em US$ 1,5 trilhão
Após cinco anos, o governo brasileiro voltou a promover na última terça-feira (14) mais uma rodada de licitações de petróleo e gás natural.
A pressão dos movimentos sociais não foi suficiente para impedir que 142 dos 289 blocos fossem negociados, arrecadando R$ 2,8 bilhões, o equivalente a US$ 1,3 bilhão. Segundo levantamento da Sociedade de Engenharia do Rio de Janeiro, a área total tem valor estimado em US$ 1,5 trilhão.
Em entrevista ao site da CUT, João Moraes, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), destacou que, além do prejuízo econômico, a entrada de empresas estrangeiras amplia o papel do Brasil como exportador de matéria-prima e afeta a soberania nacional. Ele também apontou a necessidade de o movimento sindical ampliar o diálogo com a sociedade civil para impedir os novos leilões previstos para o final deste ano.
A maior parte da imprensa destacou que os leilões foram um sucesso porque arrecadaram R$ 2,8 bilhões, valor recorde entre os leilões já realizados. A FUP concorda com isso?
João Moraes – Acreditamos exatamente no contrário. Você já viu empresário de petróleo rasgar dinheiro? Não foi à toa que essa rodada reuniu mais de 70 empresas de 18 países. Se colocaram mais dinheiro desta vez é porque debaixo da terra tem muito mais, inclusive nas áreas que a FUP indicava como as mais promissoras. As empresas já tem todo o trabalho de pesquisa e mapeamento feito pela Petrobrás* e agora vão apenas arcar com o custo de produção e extração. Sobrará para o governo apenas o valor de 10% dos royalties, conforme determina a Lei 9.478 de1997, do governo Fernando Henrique Cardoso.
O juiz federal Claudio Roberto da Silva se declarou incompetente para julgar a Ação Civil Pública proposta pela FUP e pelo Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro-PR/SC) para cancelar essa rodada, mas há outras ações em curso. Você acredita que será possível reverter o negócio judicialmente?
Moraes –Há algumas ações correndo, mas o histórico não é positivo. Entre ajudar o país e as multinacionais, o Judiciário fica com a segunda opção. Temos que aprofundar esse debate com a sociedade porque, fora as posições políticas e ideológicas, da entrega do nosso patrimônio, existem razões econômicas que exigem o fim dsses leilões.
Quais são as razões?
Moraes – Apesar de uma lei do governo Lula (12.351/2010) garantir que a Petrobrás seja a única operadora do pré-sal, teremos leilões dessas áreas com outras empresas entrando como investidoras. Atualmente, o que a Petrobrás detém já é suficiente para abastecer o Brasil. Com os leilões, o que faremos será consolidar uma política exportadora do petróleo e entendemos que exportá-lo cru, como qualquer bem in natura, é um equívoco. Até porque, a lei Kandir, mais uma do período FHC, isenta de impostos a exportação de matéria-prima. O que precisamos é vender o produto final, petroquímico, plástico e para isso o país ainda não está estruturado, a preocupação deveria ser investir na cadeia produtiva. Além disso, essa política gera empregos em outros países, porque as multinacionais não fazem encomenda do material que utilizam no Brasil, não geram postos de trabalho aqui. Mesmo a OGX, do Eike Batista, só encomendará quando o estaleiro estiver pronto. Ao contrário, onde a Petrobrás está o governo determina que a aquisição de material deva ocorrer em solo nacional. E se faltar energia na Holanda, você acha que a Shell vai deixar o petróleo aqui? Temos que tratar isso como uma questão estratégica e de soberania nacional.
Em meio a essa discussão, quais as preocupações com a questão ambiental?
Moraes – O governo anunciou mais duas rodadas de leilão até o final do ano, inclusive do gás xisto, que causa uma grande polêmica nos EUA. Porque venderam para o mundo a ideia de que os EUA seriam autossuficientes em 2020, que seria a principal fonte de energia no mundo. Porém, soubemos que os campos não são tão promissores como anunciavam, que estão se exaurindo em 40% após um ano de produção e que promove contaminação do lençol freático em áreas enormes.
A Petrobrás se associou com empresas estrangeiras também para comprar alguns blocos, na maioria das vezes, como minoritária. Você pensa que esse também é um problema para a soberania nacional?
Moraes –Sim, porque a Petrobrás entra como operadora, investidora, e ganha do ponto de vista do negócio. Mas e o país? Devemos lembrar que até 2002, o Brasil comprava navios fora e tinha 5 mil postos de trabalho nos estaleiros. Em 2003, com a eleição do presidente Lula, por sugestão da FUP, ele cancelou alguns contratos e determinou que a Petrobrás comprasse aqui e isso impulsionou a indústria naval. Hoje são mais de 60 mil trabalhadores nos estaleiros. Agora, isso é possível fazer com a Petrobrás, mas dá pra fazer com a Shell e a Esso? Até há uma cláusula no edital dos leilões que determina o pagamento de multas para quem não contratar mão de obra nacional, mas o valor vai justamente para a ANP (Agência Nacional do Petróleo), que é quem fiscalizará o cumprimento da lei. Ou seja, a maior interessada no descumprimento da norma. Os movimentos sociais devem tensionar em defesa dos interesses do povo brasileiro, não podemos ficar calados diante disso.
* Porque somos Petrobras – A CUT grafa Petrobrás, com acento, em repúdio à tentativa de mudança de nome da estatal pelas mãos do ex-presidente FHC, em 2000. Ele queria transformar a empresa em Petrobrax para tornar o nome mais palatável a fim de vender ao capital estrangeiro um dos maiores patrimônios brasileiros. Graças à mobilização da classe trabalhadora e ao fim do governo tucano, felizmente, só perdermos o acento.