Escrito por: Luiz Carvalho e Vanessa Ramos
Professores completam 53 dias de greve acampados em frente à Secretaria da Educação
Para ficar bom, churrasco de chuchu depende de criatividade, coisa de professor acostumado a dar aula em sala superlotada (Foto: Sérgio Silva)
Para um churrasco decente é preciso carvão em brasa, sal grosso e...chuchu! Sim, chuchu, temperado com maionese Helmans, em um banquete para lembrar que negociar com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e com o secretário de Educação paulista, Herman Voorwald, é coisa para quem tem estômago forte.
O cardápio fez parte de uma ‘chuchurrascada’ que os professores do estado, em greve há 53 dias, promoveram nesta terça-feira (5) diante da secretaria de educação, onde estão acampados.
Mais de 15 quilos de legumes foram assados e distribuídos à população, especialmente aos moradores em situação de rua que frequentam a Praça da República.
Para o assado dar certo, o professor Vinicius Vasconcelos, à frente da churrasqueira, explica que a receita é usar a criatividade. A mesma que utiliza para dar aulas de biologia e ciências a 57 alunos da sexta série numa escola na Zona Norte da capital paulista.
“Vamos fazer a “matemágica”, como o Alckmin quer que façamos para lecionar em salas superlotadas, e usaremos sal, azeite e Sazon para dar gostinho”, disse.
Vasconcelos explica que iniciar uma aula em um ambiente abarrotado é sinônimo de fracasso. Durante um período de 50 minutos, somente para chamada ele costuma gastar 20. “Na meia hora restante brigamos para passar o conteúdo.”
Também acampada na República, a diretora de Assuntos Municipais da Apeoesp (Sindicato dos Professores de São Paulo) e professora de história, Nilcea Fleury, aponta outro poder especial do governador Alckmin: a visão aquém do alcance.
“Aqui o governador não vê epidemia de dengue, não vê falta de água e não vê a greve dos professores. Ele vive em um mundo paralelo.”
Para a professora, as classes inchadas são parte de uma estratégia que aposta na debandada de ao menos metade dos alunos. “No começo do ano não temos livro diário, tem que passar folha, porque a diretora fala, ‘ah, em um mês não teremos aluno aluno, aí fazemos o registro direito’. Contam com a desistência, não estimulam permanência”, criticou.
A reabertura de quatro mil salas de aula fechadas em janeiro pelo governador Alckmin é uma das pautas do movimento grevista, que luta também por um aumento de 75,33% para equiparação salarial com a demais categorias com formação de nível superior.
“Essa greve é longa porque o governo não negocia. Em não tendo alguém para negociar, o TJ ter acatado nosso pedido de dissídio ajuda na pressão sobre o governador e sobre o secretário da educação. É uma paralisação que tem fôlego, prova disso é que mais de 60 mil estiveram na Paulista na última assembleia para dizer quase por unanimidade que a greve continua”, lembrou Maria Izabel Noronha, a Bebel, presidenta da Apeoesp.
Bônus não é salário
Outro reivindicação é a conversão do bônus em reajuste salarial. Nilcea rebate a afirmação de que o abono alardeado por Alckmin como o maior da história seja um diferencial no salário dos educadores. E critica a política de penduricalhos.
“Meu companheiro recebeu R$ 17 de bônus. Esse é o maior abono da história que ele diz. O bônus é a sobra do que vem do Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Báscia). O que ele não aplicou em melhorias ele pega e transforma em bônus, com base nas escolas que atingem determinado índice no Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo). Mas dentro da própria escola você tem professores que receberam e outros que não receberam. A grande pergunta é: qual o critério?”, questiona.
Além disso, ao se aposentar, o servidor recebe o salário-base, que hoje é de R$ 1.430 para educadores do ensino médio e fundamental. Pessoas como Nilcea, que após 27 anos de carreira, ganha R$ 2.900.
Família na luta
O acampamento começou no dia 17 de março e, a cada dia, representantes das subsedes da Apeoesp se revezam para dormir no local onde 90 educadores passam a noite.
Sheila (de óculos) levou família inteira ao acampamento (Foto: Inácio Teixeira)
“A greve é o último recurso que devemos recorrer, mas depois de todas as tentativas frustradas de diálogo com o governo, foi o caminho que encontramos. Estamos há mais de 50 dias paralisados, mesmo já colhendo prejuízos. Eu já recebi desconto no meu salário neste mês, o que nos faz precisar a ajuda de um fundo de greve criado”, explica.
Mesmo diante dessas dificuldades, Sheila acredita que o movimento precisa resistir. “Meu maior prazer é trabalhar na construção do conhecimento dos jovens, mostrar para eles que a educação é uma porta para ganhar o mundo, ser cidadão, saber dos seus direitos. Isso se dá através do diálogo e não pela ignorância e agressão”.
Diariamente, pessoas solidárias à paralisação assinam um livro colocado no local para servir como canal de diálogo entre os cidadãos. No mesmo lugar, também é possível ajudar com a doação de cestas básicas para os professores em defesa da educação pública e de qualidade.