Escrito por: Vanessa Ramos - CUT-SP
Nem a noite fria em São Paulo impediu que uma aula pública sobre Internet Livre fosse realizada nesta terça-feira (23), no vão livre do Masp, com a presença de entidades, coletivos e militantes que lutam por uma mídia democrática.
A defesa do marco civil da internet, cujo Projeto de Lei 2126/2011 está em tramitação no Congresso Nacional, foi a tônica do encontro, que teve a presença de estudantes, professores e especialistas na área. Os participantes foram enfáticos em afirmar que apesar de o tema parecer complicado em seu conceito, faz parte do cotidiano da sociedade.
O assunto está em alta a partir das revelações feitas pelo agente norte-americano Edward Snowden sobre a existência de um grande esquema de espionagem ilegal praticado pelo governo dos Estados Unidos, que vasculha informações táticas dentro do Brasil. As denúncias incluem vigilância de atividades online e investigação com grampos telefônicos - sem autorização judicial - com o apoio de grandes corporações de tecnologia.
Neutralidade e privacidade
Professor e especialista na área, Sérgio Amadeu explica que a aprovação da lei diz respeito a um item identificado como privacidade, que representa, na prática, maior defesa e soberania ao país. “Se o projeto de lei do marco civil for votado, não impedirá a espionagem, mas tornará ilegais as ações no Brasil das filiais dessas corporações que usam nossas informações pessoais sem nosso conhecimento efetivo e sem nossa autorização”, afirma.
De acordo com Sérgio, uma das empresas que apoiam a espionagem é a Microsoft. “Em seu site, ela diz claramente que pode coletar informações de qualquer usuário, cidadão ou autoridade brasileira para o cumprimento da lei de sua matriz, nos Estados Unidos”. Na prática, explica o professor, “toda vez que um determinado usuário de Windows entra na internet, a Microsoft utiliza seus backdoors (portas dos fundos abertas – uma maneira de acessar um computador inteiro) para vasculhar a sua máquina e enviar suas informações para a matriz”.
Além da privacidade, a secretária-geral do Instituto Barão de Itararé, Renata Mielli, afirma que a aprovação do marco civil - lei que tratará sobre o uso da internet no país – garantirá também a neutralidade e a liberdade de expressão aos internautas. “É permitir que a internet continue sendo como hoje ela é, uma rede aberta e colaborativa onde as pessoas podem criar aplicações e serviços sem precisar prestar informações ou ter autorização de alguém. Significa criar regras para os provedores de serviço de internet e dar, ao mesmo tempo, garantia de direitos aos usuários do sistema www (world wide web)”.
Segundo a representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet (CGI), Veridiana Alimonti, a neutralidade da rede é a garantia de que todas as informações que passam pela rede devem ser tratadas de forma igual. “Uma empresa não pode decidir que um dado que saia do computador de uma pessoa seja mais rápido ou devagar do que um dado que saia do computador de outra que paga mais. E não pode também bloquear o acesso de informações importantes que estão na rede.”.
Renata afirma que o marco civil ainda não foi votado no Congresso porque há uma pressão muito grande das empresas de telecomunicações. “Atualmente, a gente navega a partir de 1, 10, 20 ou 30 megas. As empresas querem mudar isso para que a gente passe a assinar pacotes de serviços definidos por elas. Ou seja, os grupos econômicos querem determinar e mudar a forma como hoje nos relacionamos com a internet”.
Em outros países, Veridiana ilustra que as discussões iniciaram quando as empresas de acesso à internet, que também eram donas de televisão a cabo, começaram a tornar a velocidade dos vídeos na internet mais devagar. “Foi uma forma de fazer com que os usurários não vissem os conteúdos na rede, mas pagassem a mensalidade da TV a cabo. No Brasil, as empresas que ofereciam serviço de telefonia fixa começaram a fazer isso diminuindo o uso do Skype (programa que permite fazer chamadas telefônicas pela internet) para incentivar a assinatura de um plano de telefonia fixa”.
“A neutralidade da rede é um nome complicado, mas todo mundo entende quando quer acessar algo na internet e não consegue ou a conexão fica mais lenta. O marco civil impede que as empresas de telecomunicações façam qualquer tipo de discriminação. A ameaça é grande, mas precisamos defender a capacidade de se comunicar”.
Censura do conteúdo
Segundo o coordenador do Intervozes, Pedro Ekman, apesar de a internet ser um espaço que possibilitou uma ampla liberdade de expressão, diferentes censuras prejudicam a comunicação democrática. “Sites inteiros e posts em blogs e facebook podem ser tirados do ar com uma simples notificação de qualquer pessoa ao provedor de conteúdo. Isso acontece porque quem administra pode ser responsabilizado civilmente pelas informações postadas”.
Na opinião de Ekman, isso prejudica a liberdade de expressão. “Você pode estar fazendo uma crítica a determinado prefeito na sua cidade e ele, ao fazer a denúncia, terá a sua mensagem censurada. A crítica política fica prejudicada. O marco civil não resolve completamente isso, mas tira a responsabilidade civil do provedor”, afirma.
Umas das empresas que tem feito a disputa do marco civil é a Rede Globo, que apoia a censura de conteúdos na internet a partir da interpretação de que o mesmo infringe direitos autorais de uma determinada empresa. “A Globo vai, notifica e manda tirar vídeos do Youtube a partir da defesa do direito autoral. Além de controlar grandes meios de comunicação, a empresa quer também limitar a liberdade de expressão na rede. A internet não deve ser um simples negócio comercial”, ressalta.
“Sabemos que, no futuro, quem controlar os cabos de internet, vai controlar toda a comunicação que se fizer. Isso é decisivo para o futuro da democracia”, conclui o coordenador.