Crime que tirou a vida de duas trabalhadoras no Rio expõe o machismo estrutural e a resistência de homens à autoridade feminina em pleno período dos 21 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres
No período em que a ONU, entidades da sociedade civil, entre elas a CUT e entes públicos como Ministério Público do Trabalho, Câmara e Senado se unem para dar visibilidade à campanha pelo fim da violência contra a mulher – os 21 dias de Ativismo – um trágico acontecimento choca a sociedade e mostra que, mais do que nunca, é preciso acabar com o machismo e a misoginia enraizados em nossa cultura.
Na sexta-feira (28), uma das principais instituições públicas de ensino do Rio de Janeiro, o Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-RJ) foi palco de um duplo feminicídio, episódio que escancara como a violência de gênero e a recusa da sociedade brasileira em aceitar mulheres em posições de liderança permanecem vivas e letais.
A diretora da equipe pedagógica Allane de Souza Pedrotti Matos, de 41 anos, e a psicóloga da instituição, Layse Costa Pinheiro, de 40 anos, foram assassinadas por tiros dentro do setor de pedagogia. O atirador é o servidor João Antônio Miranda Tello Ramos, que após o assassinato das vítimas cometeu suicídio. O caso é investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) da Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCERJ).
As primeiras informações apontaram que o motivo era a recusa de João Antônio em aceitar a chefia de mulheres. Allane era sua superior hierárquica e, segundo relatos colhidos pela investigação, o servidor demonstrava resistência explícita à autoridade feminina. Ele chegou a ser transferido para outra unidade e afastado com laudo psiquiátrico, mas retornou ao campus antes do ataque que tirou duas vidas e traumatizou a comunidade escolar.
Este atentado não representa um caso isolado. É a manifestação mais extrema de práticas de violência e deslegitimação da liderança feminina, presentes em empresas, órgãos públicos e universidades de todo o país.
Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino, o duplo feminicídio expõe o quanto a desigualdade de gênero ainda ameaça a vida das mulheres no trabalho.
“A tragédia evidencia que, para além da luta pela igualdade salarial, a sociedade brasileira ainda precisa enfrentar e desconstruir preconceitos – esse sentimento primitivo que adoece nossa sociedade – para que as mulheres possam exercer sua autonomia, sua autoridade, sua dignidade plenamente, sem ter que lidar com desconfiança, com homens desacreditando seus potenciais”, ela diz.
Não há dados atualizados para o ano de 2025 sobre violência contra mulheres no ambiente de trabalho, mas os dados já coletados anteriormente mostravam uma realidade que ode ser pior nos dias de hoje, se levarmos em consideração o aumento da violência no geral.
Segundo a pesquisa Ipsos de 2020, 27% dos brasileiros se sentem desconfortáveis quando a chefia é exercida por uma mulher. Entre os homens, esse percentual sobe para 31%, aproximando o Brasil de países com forte cultura patriarcal, como Índia e Coreia do Sul.
“Quando as mulheres assumem posições de comando, elas enfrentam ainda mais hostilidade direta e julgamentos muito mais severos do que os homens. A realidade é que aquilo que é visto como comportamento assertivo e natural em líderes homens, quando parte de uma mulher, é rotulado como agressivo, desequilibrado ou inadequado”, diz Amanda Corcino.
Ela afirma ainda que as vítimas no Rio de Janeiro não enfrentaram apenas desafios profissionais. Elas encararam o que milhares de trabalhadoras enfrentam todos os dias - ter de provar, a cada instante, que têm capacidade para ocupar espaços de poder.
É trágico uma mulher ser obrigada a conviver com a realidade de rebaixamento profissional, psicológico, social, de ter que a todo instante lutar incansavelmente por garantir dois direitos naturais: a igualdade e mais que isso, a vida- Amanda Corcino
Violência e assédio: rotina que atinge 76% das mulheres
O ambiente de trabalho se tornou um dos principais espaços de reprodução das desigualdades de gênero. Uma pesquisa Locomotiva/Instituto Patrícia Galvão, de 2020 revelou que 76% das mulheres já sofreram um ou mais episódios de violência ou assédio no trabalho.
Entre as violências mais relatadas estão:
Os impactos são profundos: tristeza, desmotivação, medo, adoecimento mental e desligamento do trabalho. 21% das vítimas pediram demissão após sofrer assédio.
Paralelamente é preciso reconhecer que, para além da violência enfrentada pelas mulheres no trabalho, há ainda o obstáculo que é ‘chegar ao posto de comando’. Se acordo como o IBGE, (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) as mulheres estão em apenas 39% dos cargos de liderança no país, apesar de serem mais de 50% da população economicamente ativa.
Impunidade
Mesmo diante do quadro extremo de violência, a punição ao agressor é exceção:
Muitas mulheres deixam de denunciar porque sabem que nada será feito, porque o agressor é superior hierárquico ou porque já viram a mesma violência impune repetidas vezes.
Em luta
A CUT segue mobilizada pela implementação de protocolos de prevenção e enfrentamento ao assédio e à violência em todas as instituições públicas e privadas.
Por meio de campanhas, inciativas em sues sindicatos e em negociações coletivas, o movimento sindical cutista luta por ambientes mais seguros de trabalho para as mulheres.
Paralelamente, a CUT também cobra ratificação da Convenção 190 pelo Brasil. A convenção reconhece a violência e o assédio como problemas graves que afetam trabalhadores de todos os setores e estabelece medidas para prevenir, punir e erradicar essas práticas no ambiente laboral.
A violência e o assédio não se restringem a casos pontuais, mas atravessam o cotidiano de milhões de trabalhadores, em especial as mulheres, que estão mais expostas às desigualdades de gênero no mercado de trabalho- Amanda Corcino