Escrito por: Vanessa Ramos, CUT-SP
Nova direção do Sated-SP terá o desafio de unir sua base após 32 anos de frouxidão
A quadra do Sindicato dos Bancários, no centro da capital paulista, se transformou num enorme palco na noite dessa segunda-feira (5), reunindo trabalhadores que atuam em diferentes segmentos das artes. Tomou posse a nova direção Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo (Sated-SP), após 32 anos de uma mesma gestão que se acomodou na luta em defesa da categoria.
Em tempos de golpe, a renovação da entidade se faz urgente, como apontaram profissionais da área durante o evento. Por coincidência, a mudança acontece em 2018, após 50 anos do Ato Institucional nº 5 (AI-5), decretada pela ditadura civil-militar, um dos períodos mais cruéis da história brasileira, com perseguição, tortura, mortes e censura.
E foi justamente para falar de um país onde não cabe o golpe que Cida Moreira, cantora, pianista e atriz, que estreou nos palcos brasileiros na década de 1970, abriu a festividade tocando a célebre canção Youkali, um tango habanero (música cubana) do compositor alemão Kurt Weill.
"Escolhi essa música porque fala de um país imaginário, onde existe justiça, cooperação, prazeres e onde as pessoas se entendem. Essa canção fala que a esperança de cada ser humano permitirá vivermos num lugar assim”, disse ela, que já lançou 10 álbuns ao longo de sua carreira.
Também para agraciar a noite, a atriz Luaa Gabanini, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, e o ator, diretor e produtor, Sérgio Mamberti, foram os mestres de cerimônia do evento que contou não só com a presença em peso da categoria, como também de dirigentes sindicais e parlamentares. A vereadora por São Paulo, Juliana Cardoso, o deputado estadual, José Américo, e o deputado federal, Arlindo Chinaglia, teceram homenagens à renovação do Sated-SP.
Sindicalismo de combate
Presidente eleito do Sated-SP, o ator e dramaturgo Dorberto Carvalho lembrou que o trabalho de renovação será possível se houver um trabalho assumido pela base.
“O sindicato só vai conseguir fazer a defesa da categoria, da valorização dos artistas e dos técnicos, das liberdades democráticas e do Estado Democrático de Direito se cada um de nós estiver dentro do sindicato porque o sindicato somos nós”, destacou.Dorberto (na foto) é novo presidente do Sated-SP - Foto: Secom CUT-SP
Dorberto (na foto) é novo presidente do Sated-SP - Foto: Secom CUT-SP
Segundo ele, um dos desafios da direção será a conquista da regulamentação de profissões que ainda não são reconhecidas como, por exemplo, a dos contadores de história e a dos arte-educadores.
Carvalho citou também o momento político em que a diretoria toma posse. “Assumimos dentro de um cenário político, no mínimo, muito estranho, ainda mais para aqueles que viveram a ditadura e, depois, os anos de 1980. Vemos a retomada das forças retrógradas, de uma direita raivosa como se tivesse saindo dos bueiros para tomar a cidade com ódio, pregando a violência, com blocos de carnaval de tortura, censurando a arte. Parece que estamos vivendo um espetáculo retrô”, disse.
O presidente da CUT Brasil, Vagner Freitas, complementou o debate citando a criminalização que tem sido feita às entidades sindicais.
“O Brasil vive um processo de perseguição ao sindicalismo. Os golpistas nos têm como inimigos. Eles querem acabar com a possibilidade de os trabalhadores se organizarem em seus sindicatos para lutar pelos seus direitos. É por isso que deram o golpe, para impor uma lógica onde não cabe sindicato, para que estejamos fora, num modelo que sirva apenas ao mercado e ao capital, mas não às pessoas.”
O diretor, dramaturgo e atual presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Rudifran de Almeida Pompeu, convocou toda a classe artística para lutar.
“Esse golpe que a gente vive representa um pensamento no qual nem eu, nem vocês, nem ninguém está incluído. Esse momento é de muita dificuldade para os artistas, mas também é quando os artistas se levantam, se erguem e crescem contra tudo isso. Que a gente faça valer esse novo Sated, uma ferramenta de luta e, mais do que isso, uma trincheira que junto com a cooperativa e outras entidades irá possibilitar a nossa resistência. Porque o que está aí é um retrocesso, é censura, é um golpe jurídico e midiático. Não nos enganemos”, afirmou.
Reconhecimento
O ator Sérgio Mamberti lembrou que há 62 anos, seu tempo de carreira, ele acompanha a trajetória do Sated-SP. “Meu irmão fez parte da diretoria durante momentos especiais, na gestão de Lélia Abramo. Mas o sindicato sempre foi um espaço de reivindicação e de fortalecimento da nossa profissão”, disse.
Com vasta caminhada pelo mundo artístico, a posse do sindicato foi também prestigiada pelo diretor teatral Emílio Fontana, que iniciou sua carreira em 1955 e por Crys Fontana, cuja trajetória como atriz começou em 1989.
Juntos desde 1996, Crys e Emílio se conheceram na produção da ópera Carmina Burana, a célebre cantata do compositor alemão Carl Orff. Desde então sempre atuaram juntos na arte e na luta cotidiana.
Emílio acompanhou momentos simbólicos do sindicato no passado, como a conquista da Lei 6.533, criada em 1978, que regulamentou as profissões de artistas e de técnicos. “Foram muitas assembleias agitadas e turbulentas no Teatro de Arena para falar sobre esta lei e a regulamentação. Havia a presença maciça da classe teatral neste debate. Tive a honra de estar lá.”
Mamberti, contudo, lamentou a postura da antiga direção, há 32 anos no poder. “Nos últimos anos, por vários fatores, o sindicato ficou um pouco, eu diria, sem cumprir realmente a sua função para o qual foi criado. Um dos exemplos se refere à regulamentação que tivemos tanta luta para concretizar (em 1978), mas que depois foi um processo difícil para as pequenas companhias conseguirem cumprir a regulamentação prevista”, relata.
Para Emílio e Crys, a nova direção terá muita batalha pela frente. “Cabe a essa nova diretoria a reconstrução de uma categoria que vem sendo dizimada por diversos fatores, com leis, por exemplo, que colocaram o empresariado para conduzir a nossa cultura, com empresas que têm objetivos comerciais e que escolhem qual projeto cultural querem ou não aprovar”, disse o diretor.
Além dos desafios específicos da categoria, Mamberti também citou outras bandeiras importantes, além da unidade da classe artística. “Diante de uma reforma trabalhista tão demolidora dos direitos do trabalhador brasileiro e de uma reforma da Previdência ainda pior, de um governo ilegal, absolutamente sem nenhuma representação popular, é muito importante que a categoria se una em torno do sindicato. É um momento de fortalecimento da nossa categoria. Nós, como trabalhadores da cultura, artistas de teatro, técnicos, temos o dever e a obrigação de não só lutarmos pelos nossos direitos, mas de fazer com que o sindicato possa estar junto com outros sindicatos para que possamos ter um Brasil mais justo, um país melhor.”
Presidente da CUT São Paulo, Douglas Izzo, reforçou o apoio da Central à direção eleita que estará à frente da entidade até 2021. "A cultura e a arte também fazem parte da nossa luta política. E quando falamos em defesa da classe trabalhadora, também lembramos os artistas e técnicos que lutam há tantos anos por reconhecimento, valorização e direitos", concluiu.