Escrito por: Walber Pinto
Local abandonado há mais de 15 anos foi usado durante a ditadura militar para prender e torturar presos políticos
Após décadas de luta dos movimentos sociais, o antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro do Rio de Janeiro, local que foi palco de repressão e tortura durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), pode, em breve, se transformar em um Centro de Memória dos Direitos Humanos e das lutas dos grupos sociais vítimas da violência do Estado, durante o regime.
A ressignificação do imóvel é resultado de anos de luta dos movimentos sociais - uma mobilização nas redes sociais que busca transformar o prédio em um espaço dedicado à preservação da verdade histórica, combatendo o negacionismo e a revisão equivocada desse período.
Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) que, no prazo de 60 dias, adotem as providências para para viabilizar a criação do espaço de preservação da memória e promoção da justiça.
Segundo a recomendação do MPF, um parecer técnico do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) concluiu que as condições da cessão foram descumpridas, o que justifica a reversão do imóvel ao patrimônio federal.
Mobilização nas redes
Nas redes sociais, movimentos sociais têm se mobilizado para que o prédio seja transformado nesse importante espaço de memória da história recente do país.
Jandyra Uehara, secretária nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, afirma que os locais de repressão do regime militar, onde presos políticos foram torturados e interrogados, não podem ser esquecidos ou apagados na história.
“Eles precisam ser ressignificados como espaços de resistência, lembrança e aprendizado para as futuras gerações. Converter o local em centro de memória em defesa dos direitos humanos e dos grupos sociais vítimas da violência de Estado cometidas por lá, é afirmar o compromisso do Estado brasileiro com a verdade, a democracia e os direitos humanos”, afirma Jandyra.
Ver esta publicação no Instagram Uma transformação em um centro de memória é uma medida de justiça e reparação histórica. Lá foram encontrados elementos de memória ainda preservados, como antigas carceragens e documentação original- Jandyra
Memória
O prédio fica na esquina das ruas da Relação e dos Inválidos, no centro histórico do Rio de Janeiro. O imóvel foi doado ao extinto Estado da Guanabara na década de 1960, sob a condição de uso para fins policiais e com obrigação de preservação.
No entanto, o prédio está abandonado há mais de 15 anos e em estado de conservação precário. A partir dos anos de 1980, o edifício, de responsabilidade da Polícia Civil do RJ, foi sendo desativado aos poucos e está sem qualquer uso desde 2009.
A estrutura tem se desgastado rapidamente e, do lado de fora, os sinais de abandono são evidentes. Quarenta anos depois do fim da ditadura militar, a carceragem do DOPS ainda existe. No local, ficavam as celas para os homens, incluindo as solitárias.
Desde o final do ano passado, a única movimentação dentro do prédio é a de voluntários dos movimentos que lutam pela preservação da memória.
Eles passaram a recolher e recuperar documentos que estavam jogados e abandonados. Entre eles, encontraram registros históricos importantes: fichas de agentes do DOPS.
História
O prédio tem profundo valor simbólico, histórico e político. Sede da Polícia Central desde o início do século XX, foi um espaço importante de onde saíram políticas de criminalização da população negra no pós-abolição, por vadiagem, capoeiragem e outros crimes, principalmente um centro de tortura durante a ditadura.
A perseguição de religiões de matriz africana gerou apreensões de objetos sagrados cuja liberação só foi possível em 2020, após a Campanha Liberte Nosso Sagrado, com atuação do MPF.